The flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas.

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quinta-feira, 28 de maio de 2009

Watermelon Sunrise

E se tudo não passasse de uma melancia? E se tudo fosse tal qual uma melancia? Bem, na verdade, o ser humano é uma melancia! Uma melancia ou qualquer outro fruto, mas hoje apetece-me que seja uma melancia!
Repare-se: o que é que é dispensável, mas essencial, para cada um de nós? A roupa. O que é dispensável, e também essencial, para uma melancia? A casca. Conclusão, não passamos de um pedaço de fruto vermelho envolvido em trapos.
Mas, saltando a visão mais descontraída, e também mais estúpida, somos, de facto, frutos. Senão reparemos: onde está a verdadeira essência de cada um de nós? No nosso interior, claro está. Tal como a melancia, que tem o seu melhor sabor mesmo no meio, também nós, seres humanos, somos verdadeiramente “bons” no nosso interior.
Para além das roupas, nós temos outro tipo de casca e, essa sim, pode ser análoga à da melancia. À volta do nosso ser, todos criamos uma espécie de carapaça que protege a nossa essência do exterior. Isso é bom? Olhemos para a melancia: enquanto se desenvolve, a casca é fundamental. É ela que a protege das intempéries e dos bichos. E, depois de crescida, é ela que permite que se não desfaça em polpa amassada.
Nós somos iguais. A nossa “casca” é fundamental para nos protegermos do mundo que nos rodeia. Contudo, não nos esqueçamos que, em certos momentos, como a melancia quando vai ser comida, é necessário quebrar a nossa casca. É preciso percebermos quando mas, em certos momentos, é chegada a altura de nos abrirmos ao mundo. Quando somos crescidos o suficiente para encarar as crueldades do quotidiano, quando a nossa casca já não nos faz falta.
O que nunca podemos permitir que aconteça é que a casca fique meio quebrada, meio fechada. Temos que ter a percepção suficiente para perceber qual é o momento em que nos devemos dar ao mundo. Porque uma melancia, depois de encetada, tem que ser comida, ou oxidará. Connosco acontece mais ou menos o mesmo. Se não sairmos definitivamente da nossa casca, corremos o risco de oxidar.
A saída da nossa menoridade, já o dizia Descartes, marca a nossa individualidade. Não nos podemos prender a doutrinas, a tradições, a pessoas ou a instituições que ofusquem a nossa essência. É fundamental sairmos da nossa menoridade, da nossa casca; é fundamental percebermos qual é o momento para o nosso “watermelon sunrise”.


PS - Watermelon Sunrise foi escrito inicialmente há alguns meses, no meio de um devaneio de pastilhas elásticas. Em virtude de um especial pedido, é agora aqui reproduzido, com algumas alterações. Uma espécie de remake.


Lisboa, 28 de Maio de 2009

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O viril instrumento do Morgado

Numa altura em que o aborto já é uma realidade no nosso retrógrado país, este post parece não ter sentido. Na verdade, é mesmo possível que surja um pouco fora de tempo. Contudo, há uns dias, deparei-me com um pequeno poema de Natália Correia que, não tanto pela forma como está escrito (que não é suprema), mas por aquilo que expressa e pelas circunstâncias em que surgiu, merece ser partilhado.
Antes, porém, e talvez à laia de lançamento de uma série de entradas que poderão ser actuais e polémicas, devo dizer que, neste nosso Portugal, fazem faltas mais artistas destes. Temos um exemplo recente dos Xutos e Pontapés, na sua última música, mas é, infelizmente, apenas um, quando mais vão escasseando.
Longe vão os tempos de músicos, escritores, artistas, intelectuais interventivos no nosso país. Precisamente num momento em que talvez fizessem falta (refira-se que Manuel Alegre não se enquadra nesta categoria, uma vez que é primeiro político e só depois poeta!).
Bem, importa enquadrar o poema que se segue. Era dia 3 de Abril de 1982 e Natália Correia era, então, deputada pelo PS na Assembleia da República. Discutia-se, nesse dia, a despenalização do aborto e João Morgado, deputado do CDS, defendia que “o acto sexual é para ter filhos”. Para responder a esta posição, Natália Correia utilizou o poema que se segue e que, ainda que politicamente não tenha argumentos de peso, levou ao rubro o parlamento, levando mesmo à interrupção dos trabalhos.

Já que o coito – diz Morgado –
Tem como fim cristalino,
Preciso e imaculado
Fazer menina ou menino;
E cada vez que o varão
Sexual petisco manduca,
Temos na procriação
Prova de que houve truca-truca.

Sendo pai só de um rebento,
Lógica é a conclusão
De que o viril instrumento
Só usou – parca ração –
Uma vez. E se a função
Faz o órgão – diz o ditado –
Consumada essa excepção,
Ficou capado o Morgado.

Natália Correia

Lisboa, 6 de Maio de 2009