The flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas.

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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Adormece comigo para sempre.

O sempre é, provavelmente, a unidade temporal mais dita e a que mais se evita dizer. Todos nós temos sempre a tendência, muitas vezes o desejo, de apelidar muitos acontecimentos de eternos, muitas situações como definitivas. Em suma, temos a tendência natural para, muitas vezes, dizermos que isto ou aquilo é “para sempre”. Entenda-se que aqui “sempre” significa o mesmo que “nunca”, já que o “nunca” é o “sempre” negativo.
Na maioria das vezes, aquilo que consideramos “para sempre” acaba por não o ser. É impossível prevermos se algo será eterno já que, como é óbvio, não controlamos o nosso destino. Assim sendo, parece estúpido que se digam coisas que envolvam o sempre, quando todos sabemos que o sempre é muito difícil de atingir.
Mas, então, porque existe o sempre? Porque existe a palavra e por existe o seu significado? E porque a dizemos?
Parece-me que, ao contrário do que geralmente se pensa e daquilo que já disse, o sempre existe, de facto. E não falo de um sempre abstracto que muitos admitem existir, aquele sempre que sabemos que não se refere a nada em especial, mas que sabemos que estará lá. Ou então o sempre em que alguns acreditam, uma espécie de “sempre enquanto durar”, do género: “viverei para sempre, até morrer”.
Mas não é de nenhum destes “sempre” que falo. Referia-me precisamente aquele sempre que a maioria de nós recusa. O “sempre” das coisas mundanas. Como, por exemplo, “serei do Sporting para sempre”. Muitos dirão que isto é mentira. E se, por hipótese, amanhã passar a ser benfiquista, lá virão dizer que tinham razão, que não seria para sempre do Sporting. Outro exemplo: “Os EUA serão a maior nação do mundo para sempre”, dizemos hoje. Mas daqui a dez anos poderão ser suplantados pela China. Como justificar então este sempre que defendo mas que, até agora, só neguei?
A questão fundamental é: o “eu” de ontem é o mesmo “eu” de hoje e igual ao de amanhã? Os EUA de hoje são os mesmos de 2019?
Parece-me que podemos concluir que, para ambas as perguntas, a resposta é “não”. E esta conclusão leva-nos ao ponto essencial. Se eu for a mesma pessoa que sou hoje, daqui a 80 anos, então ainda serei do Sporting. Se tiver as mesmas influências ao longo dos anos, uma história de vida sem grandes atribulações, enfim, se for o mesmo “eu” que sou hoje daqui a 80 anos, então ainda serei do Sporting.
Não posso, obviamente garantir que isso aconteça. Contudo, posso garantir que a expressão “para sempre” faz todo o sentido. Basta termos presente que o sempre a que nos referimos é um sempre tendo em conta o estado actual das coisas. Nesse sentido, se o status quo se mantiver (ou não sofrer alterações significativas), eu serei do Sporting para sempre.
Muitos outros exemplos poderíamos encontrar, e em todos esta “teoria” faria sentido. Ao contrário do que parece à primeira vista, o “sempre” é das palavras mais verdadeiras e correctas de dizer. Apenas é necessário que tenhamos presente que a pessoa que diz o sempre hoje pode não ser a pessoa que o vive no dia seguinte.




Lisboa, 20 de Abril de 2009

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O poder da natureza

As notícias de nos chegam de Itália são assustadoras. Preocupantemente assustadoras. O recente sismo que abalou o “país da bota” devia ser um bom pretexto para que reflectíssemos um pouco. Aproveitando a onda de boa-fé e optimismo que se seguiu à vinda de Obama à Europa para as cimeiras da NATO, UE e G-20, seria bom que se passasse das palavras aos actos e fizéssemos, todos (não só os governantes), um pouco mais pelo planeta.
Um sismo, como o desta noite em Itália, salvo algum desconhecimento particular da minha parte, será dos poucos fenómenos da natureza que não é uma consequência directa das agressões do Homem ao meio ambiente. Ainda assim, realçando novamente o papel fundamental dos “big bosses” mundiais no combate à poluição, sigamos o exemplo do presidente Obama que, dando uma volta de 360º na política ecológica de Bush, garantiu que os EUA iriam (finalmente!) participar no combate ao aquecimento global.
Mas, voltemos ao sismo. O que me parece mais importante reter desta catástrofe é uma lição fundamental para todos nós. Já fomos milhares de vezes bombardeados com folhetins do género, já se fizeram filmes sobre isso (O Dia Depois de Amanhã, entre muitos outros), todos no nosso subconsciente, pelo menos, o sabemos. Contudo, parcas vezes nos lembramos. Este sismo, principalmente por não ser uma consequência da acção humana, vem demonstrar que nós, a Humanidade, o Homem todo-poderoso não controla, afinal, coisa alguma.
Na noite de ontem, em Itália, milhares de pessoas foram tão vulneráveis como o Homo Erectus era na Idade da Pedra. A força da natureza mostrou que é superior a todas as criações humanas, como que a dizer “Não se esqueçam, humanuzinhos convencidos e chicos-espertos, que quem manda ainda sou eu”.
Diversas vezes, achamos que tudo depende de nós. O nosso destino pessoal será, exclusivamente, uma obra nossa (redondamente errado, a sociedade também existe). O destino do país será, quase na totalidade, da responsabilidade do nosso Governo (viu-se, com a crise que nos afecta e que começou no estrangeiro). O destino do Homem está nas mãos de duas ou três superpotências (que ainda existem). Tudo isto não passa de puras ilusões. Aliás, no nosso íntimo, temos consciência da nossa pequenez. Não só nós, portugueses, mas até o americano mais individualista o sabe.
Pode parecer moralista, paternalista, pacifista ou, arrisco dizer, religioso, mas cá vai: deixemo-nos de pequenas querelas como a guerra no Iraque ou as crises diplomáticas constantes. Preocupemo-nos, primeiro, com o mal que criámos: aquecimento global, crises humanitárias, como no Darfur, desigualdades sociais, culturais, económicas, etc; depois, tenhamos atenção ao “mal” que a natureza nos pode fazer.
Não digo que parando com as guerras e o terrorismo deixem de haver sismos, não sou lunático a esse ponto. Mas, pelo menos, enquanto não viessem os sismos e os tsunamis, viveríamos todos juntos e felizes. Até certo ponto é de louvar a rivalidade (saudável), o espírito nacionalista (moderado) e a manutenção da identidade nacional e pessoal. Mas, não nos esqueçamos que, no fim (ou no princípio), somos todos como uma vara de porcos num curral: carne da mesma espécie.


Caldas da Rainha, 6 de Abril de 2009.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Mudança

Vivemos num mundo de mudança. Tudo muda. Nós mudamos, a realidade à nossa volta muda, coisas que vemos e coisas que não vemos mudam. É inegável e impossível escapar. Quantas vezes não nos achamos a pensar em como éramos diferentes quando éramos crianças, ou como havíamos sido diferentes na noite anterior.
A mudança é constante. Mudamos muito, ao longo dos anos. Mas mudamos pouco, muitas vezes. A cada segundo estamos diferentes. A influência que a sociedade em que nos inserimos exerce em nós torna-nos vulneráveis a quase tudo e provoca alterações na nossa forma de estar, na nossa forma de ver o mundo, na nossa forma de pensar e, sobretudo, na nossa forma de ser.
Vulgarmente nos acusamos uns aos outros de termos mudado. Frequentemente, associa-se a palavra “mudança”, pelo menos neste sentido humano, a algo mau. Todos reparam quando mudamos “para pior”, todos criticam e julgam. Mas quando a mudança tem o sentido inverso, é difícil encontrar quem sequer a comente.
Contudo, desfaçamos o mito. A mudança não é o piorar de nada. É, simplesmente, uma alteração. Diariamente, confrontamo-nos com mudanças, quer no mundo físico, quer no mundo humano. De manhã está sol e, há tarde, já só vemos nuvens. Hoje estamos felizes, amanhã deprimidos. Até nos mais diversos âmbitos da vida social as mudanças se operam. Lutero era cristão e, a certa altura, professou o protestantismo. Políticos vários começam o seu percurso na direita e terminam-no na esquerda, enquanto outros fazem o caminho inverso. Até o Figo jogava, num dia, no Barcelona e, no dia seguinte, no seu maior rival.
Desde sempre que a ideia de mudança foi vista com algumas reticências. Nunca é fácil aceitar que o status quo seja alterado, quanto mais quando essa alteração é repentina. Mas é necessário estarmos preparados para isso. Ninguém podia prever que as torres iam cair, mas elas caíram e mudaram o mundo. Ninguém podia prever que empresas com enormes lucros iriam falir, mas isso aconteceu, a crise generalizou-se e temos que acarretar com as consequências.
Vendo bem as coisas, desta perspectiva, a mudança não é algo de tão grandioso, que mereça um texto. Grande novidade, que tudo muda sabemos nós todos. Certo. Que o hoje é diferente do ontem e do amanhã é trivial. Até que de geração em geração há diferenças substanciais não é surpresa. Já Camões dizia que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.
Não é, portanto, à mudança no seu sentido mais lato e sociológico que queria chegar. Não é para essa mudança que não estamos preparados porque, por mais abrupta que seja, sabemos sempre que o estado das coisas não é estático.
O que é verdadeiramente preocupante é a forma como é encarada a mudança pessoal de cada um. A forma como se olha de lado para aquele que antes era uma coisa e hoje é outra. A sociedade tem a infeliz capacidade de julgar precipitadamente. Não chegando o julgamento com base em estereótipos, é comum que esses julgamentos sejam apimentados com factores particulares. É muito mais “aliciante” comentar uma pessoa que, no dizer de alguns, “mudou” do que uma outra que, por muito que se tenha a dizer, continua igual.
Em primeiro lugar, é absolutamente ridículo este tipo de pensamento. Muitos o sabemos, mas poucos o recusamos, já que o “comentário” é algo intrínseco à condição humana. Em segundo lugar, é absurdo pensar que há pessoas que se mantêm “iguais”. Quando se ouve dizer isso, podemos estar seguros que é uma mentira. Pura e simplesmente, é impossível que assim seja.
Mudamos constantemente, a cada dia que passa. Não é aí que está a novidade. São mais aqueles que criticam que os que aplaudem essa mudança. Perfeitamente banal. O que realmente importa é ver, nestas constantes mudanças (as grandes e as pequenas, as visíveis e as invisíveis), o que há de bom. Um pacote de arroz que muda de embalagem, continua a ser um pacote com o mesmo arroz.
A mudança é saudável e necessária. Por vezes, podemos achar que mudamos (ou que os outros mudam) para pior, mas isso é falso. Mudar é progredir, é crescer. Conforme “mudamos”, acrescentamos à nossa personalidade um pouco mais, sejam virtudes, sejam erros. Em qualquer dos casos, ainda que de maneiras diferentes, estamos a contribuir para o nosso desenvolvimento e, quero acreditar, para o daqueles que nos rodeiam. Por isso, tenhamos todos presente o quão importante é a mudança e aquilo que ela significa.

Lisboa, 31 de Março de 2009.