The flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas.

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Les Jours Tristes

O facto de ser Natal não faz com que alguma coisa mude no normal desenrolar do nosso quotidiano. Por isso, não me parece muito relevante o facto de, na noite de Natal, aqui deixar uma música como esta.
As boas músicas, como tudo o que é bom, não escolhem momentos para serem disfrutadas. Assim, nunca é um mau dia para ouvir Yann Tiersen e Neil Hannon.

Les Jours Tristes

It's hard,
hard, not to sit on your hands,
burrow your head in the sand,
hard, not to make other plans
and claim that you've done all you can,
all alone
and life
must go on.

It's hard,
hard, to stand up for what's right
and bring home the bacon each night,
hard, not to break down and cry,
when every ideal that you tried
has been wrong.
But you must
carry on.

Ref:
It's hard,
but you know it's worth the fight,
cause you know you've got the truth on your side,
when the accusations fly.
Hold tight!
Don't be afraid of what they'll say.
Who cares what cowards think? Anyway,
They will understand some day,
some day.

It's hard,
hard, when you're here all alone
and everyone else's gone home.
Harder to know right from wrong
when all objectivity's gone and it's gone.
But you still
carry on.

‘cause you,
you are the only one left
and you've got to clean up this mess.
You know you'll end up like the rest
Bitter and twisted - unless
you stay strong
And you
carry on.

Ref:
It's hard,
but you know it's worth the fight,
cause you know you've got the truth on your side,
when the accusations fly.
Hold tight!
Don't be afraid of what they'll say.
Who cares what cowards think? Anyway,
They will understand some day,
some day.



quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Caim

Diariamente somos confrontados com a nossa pequenez. A nossa pequenez enquanto pessoas, enquanto seres humanos, enquanto seres sociais. Contudo, por vezes ainda consigo ser surpreendido quando vejo quão grande pode ser a nossa pequenez. Neste caso, falo da nossa pequenez enquanto país.
Saiu dia 19, segunda-feira, para as bancas o mais recente livro de José Saramago, Caim. Já se esperava que este novo volume suscitasse polémica. Após toda a celeuma provocada por O Evangelho Segundo Jesus Cristo, em 1991, na altura protagonizada por Sousa Lara, agora é a vez de Caim.
Não obstante a discussão que já se esperava, fico admirado com a forma como a inteligência humana pode ser tão pouca. Já estamos habituados às vulgares críticas da Igreja Católica. Já se esperam que todos aqueles que nunca leram Saramago o critiquem e digam que o Nobel português não saiba escrever. Mas o eurodeputado do PSD Mário David conseguiu ir mais longe.
É muito curioso verificarmos que um deputado eleito para representar e defender Portugal na Europa tenha dito, no seu blog, que se envergonha de ser compatriota de Saramago e que o escritor devia mesmo trocar de nacionalidade.
Se é verdade que já fomos habituados por muitos portugueses a rejeitar o que temos de bom, não deixa de ser curioso que aqueles que têm responsabilidade em defender-nos além-fronteiras façam precisamente o contrário.
José Saramago é um grande escritor. O único português a ganhar o Prémio Nobel. Muitos o criticam, poucos o lêem. De Saramago se fizeram filmes, óperas e teatros. No entanto, em Portugal, este octogenário (pois é, já são 86 anos) só é notícia pelas piores razões.
Felizmente (e é nestes momentos que me sinto intelectualmente alguém), posso orgulhar-me de ter lido Saramago e de o considerar um dos melhores escritores de sempre. E, se todos tivéssemos um olhar imparcial, facilmente lhe reconheceríamos todos os méritos que tem.
Provavelmente, sou o maior opositor político de José Saramago. Porém, é a nossa racionalidade que nos permite ver além destas diferenças. Admiro José Saramago e tenho orgulho que ele (ainda) seja meu compatriota. Pelo contrário, eu, um português que claramente não se sente representado por Mário David (que ajudou a eleger), tenho vergonha que no meu país se diga o que se diz, a quem não merece que seja dito.
Mesmo sabendo à partida que Mário David não lerá este blog, gostava que ele se recordasse daquilo por que a sua líder partidária muito se bateu. A asfixia democrática que marcou a campanha eleitoral ressurgiu agora, pelas palavras do eurodeputado social-democrata. Por muito que o livro de Saramago possa ir contra a Bíblia (não sei se vai, ainda não o li), nada é mais valioso que a possibilidade que nos deu o 25 de Abril de podermos escrever o que queremos.
José Saramago é um senhor da literatura e da sociedade. É um português e merecia ser respeitado por isso, independentemente da sua qualidade literária. Fosse eu José Saramago, e já há muito tempo teria cumprido a promessa e deixado de ser português.


Lisboa, 21 de Outubro de 2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Efananauei

Todos os dias somos confrontados com uma realidade diferente. É aceite por todos que o mundo (seja o mundo no geral, seja a nossa vida em particular) está em constante mutação e nós, provavelmente cada vez menos, podemos controlar essa mudança. No entanto, isso não é importante, se aproveitarmos cada momento. Principalmente aqueles momentos que podemos controlar.
Esta introdução pseudo-moral pode fazer pensar que este será um post que reflicta a condição humana e a mudança dos tempos. Mas nada disso. Neste post apenas se pretende, muito simplesmente destacar a forma como, de algo muito simples, se pode fazer mudar muita coisa.
Tomamos como exemplo de partida um curioso vídeo do último episódio da terceira série d’Os Contemporâneos, da RTP 1. Nele, os humoristas do programa conseguem, através duma música (diria eu parva), fazer um sketch (arrisco novamente o mesmo adjectivo) que, não tendo uma imensa piada, consegue fazer rir. E que quer, então, isto dizer?
Bem, os mais cépticos e críticos dirão que não quer dizer nada, a não ser que vivemos num país que elogia a parvoíce. Quanto a mim, parece-me que será algo mais que isso. Os Contemporâneos conseguiram, do nada, fazer com que um grupo de pessoas anónimo se juntasse na rua, à sua volta, e fizesse uma festa, naquele momento. Através de uma pequena música estúpida, conseguiu-se que um grupo de pessoas desconhecidas se divertisse. E conseguiu-se que muitos espectadores em casa de rissem e esquecessem, por uns momentos, as dificuldades das suas vidas.
Não está aqui em causa se o sketch tinha graça ou não. Aceita-se que o que acima foi dito não seja uma verdade universal. No entanto, serve para provar o fundamental deste post. Podemos queixar-nos do tempo, que não controlamos. Podemos queixar-nos dos impostos, em que não mandamos. Podemos queixar-nos dos ladrões que nos assaltam, porque não podemos fugir. Mas não nos podemos queixar de que nada depende de nós.
É um espírito muito português (ou latino, ou universal) pôr as culpas sempre nos outros. Mas o segredo está em, depois de passar por cima daquilo que não controlamos, fazer algo por nós. Por mais pequenas que sejam as coisas que façamos (como o sketch d’Os Contemporâneos), podemos fazer algo para mudar o nosso dia-a-dia.

E já agora, eis o vídeo d'Os Contemporâneos:


PS1 - Não se pode dizer que tenha sido um regresso em grande do "Borboletas e Furacões", mas faltam dois meses para o Natal, por isso é melhor começar desde já com um espírito de paz e harmonia para todos.

PS2 - Espera-se que, brevemente, a qualidade literária deste blog suba!

Lisboa, 19 de Outubro de 2009

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Quem tem CU tem medo

A blogosfera está desde ontem mais rica. Arrancou oficialmente o grande blog "Quem tem CU tem medo", com a participação de personagens como CUveiro, CUmilão, CUrnélia, CUrgette Maria, CUmadre, Zé do Gayo, entre outros.
Como se auto-define, "Quem tem CU tem medo" é:

"O primeiro blog homofóbico escrito em parte por um homossexual, mas também por pessoas!"

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Subjectiva comodidade

Disse um dia alguém (não sei quem, não ouvi, disseram-me), que a expressão “Isso é subjectivo!” acaba com qualquer conversa interessante que se pudesse ter. Não sei quem foi o génio, mas tamanha máxima deveria constar de todos os manuais.
A subjectividade é, continuamente e cada vez mais, a fuga para aquilo que não se quer enfrentar. Hoje, em vez de admitirmos A ou B, preferimos defender-nos, dizendo: “Isso é subjectivo!”. É mais fácil, mais cómodo. Assim, não perdemos a “discussão” (o outro não a ganha) e ficamos de consciência tranquila pensado que temos uma opinião.
Esta ideia está completamente errada. E isto não é subjectivo! A vida não é subjectiva e não pode ser encarada como tal. A nossa cobardia leva-nos a contornar as coisas objectivas, a maioria das que se apresentam à nossa frente.
Ou se é, ou não se é. Não há meio-termo. Ou gosto de chocolate, ou não gosto de chocolate. Não gosto de chocolate “se”. Gosto dele se tiver forme, então gosto. O facto de ter fome não torna o meu gosto subjectivo ou não. Apesar de insistirmos continuamente em só gostar de “chocolates” quando “temos fome”.
Temos, de uma vez que todas, que assumir aquilo que somos. Assumir o risco, deixar cair a máscara. Mostrarmo-nos como somos, sem estarmos coagidos por aquilo que os outros vão pensar de nós.
Andando uns poucos metros na rua, vimos uma diversidade imensa de pessoas que, num segundo olhar, nos parecem todas iguais. Porque, na realidade, são mesmo todas iguais. As rotinas diárias, os modos de comportamento, as formas de ver, tornam a sociedade actual um corpo quase homogéneo. E mesmo as pequenas diferenças que se fazem permitem que se formem pequenos grupos dentro da sociedade, que, eles mesmos, são totalmente homogéneos na sua constituição.
Era pretender demasiado que tudo mudasse, do dia para a noite. A sociedade não se transforma subitamente nem, tão pouco, essa mudança é perceptível. Ainda assim, é fundamental que tomemos consciência que, cada vez mais, é necessário afirmarmo-nos como indivíduos em si mesmos, e não indivíduos que pertencem a um todo.
A nossa sociedade chegou a um ponto de subjectividade tal que, hoje em dia, já não sabemos o que é e o que não é. Acreditamos naquilo que nos dizem (o pai, a mãe, o merceeiro, o vizinho, o jornal, o Primeiro-Ministro) e no desmentido que lhe fazem. O status quo cada vez menos se mantém. E, se por um lado, o progresso e a evolução é positivo, há que acompanhá-los com o nosso próprio desenvolvimento.
Deixemos de lado a cómoda subjectividade das coisas a que nos habituamos a recorrer quando não queremos pensar, quando não queremos agir ou, muito simplesmente, quando não queremos ser. Assumamos, como ser humano que somos, as nossas virtudes.

Lisboa, 22 de Junho de 2009

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Watermelon Sunrise

E se tudo não passasse de uma melancia? E se tudo fosse tal qual uma melancia? Bem, na verdade, o ser humano é uma melancia! Uma melancia ou qualquer outro fruto, mas hoje apetece-me que seja uma melancia!
Repare-se: o que é que é dispensável, mas essencial, para cada um de nós? A roupa. O que é dispensável, e também essencial, para uma melancia? A casca. Conclusão, não passamos de um pedaço de fruto vermelho envolvido em trapos.
Mas, saltando a visão mais descontraída, e também mais estúpida, somos, de facto, frutos. Senão reparemos: onde está a verdadeira essência de cada um de nós? No nosso interior, claro está. Tal como a melancia, que tem o seu melhor sabor mesmo no meio, também nós, seres humanos, somos verdadeiramente “bons” no nosso interior.
Para além das roupas, nós temos outro tipo de casca e, essa sim, pode ser análoga à da melancia. À volta do nosso ser, todos criamos uma espécie de carapaça que protege a nossa essência do exterior. Isso é bom? Olhemos para a melancia: enquanto se desenvolve, a casca é fundamental. É ela que a protege das intempéries e dos bichos. E, depois de crescida, é ela que permite que se não desfaça em polpa amassada.
Nós somos iguais. A nossa “casca” é fundamental para nos protegermos do mundo que nos rodeia. Contudo, não nos esqueçamos que, em certos momentos, como a melancia quando vai ser comida, é necessário quebrar a nossa casca. É preciso percebermos quando mas, em certos momentos, é chegada a altura de nos abrirmos ao mundo. Quando somos crescidos o suficiente para encarar as crueldades do quotidiano, quando a nossa casca já não nos faz falta.
O que nunca podemos permitir que aconteça é que a casca fique meio quebrada, meio fechada. Temos que ter a percepção suficiente para perceber qual é o momento em que nos devemos dar ao mundo. Porque uma melancia, depois de encetada, tem que ser comida, ou oxidará. Connosco acontece mais ou menos o mesmo. Se não sairmos definitivamente da nossa casca, corremos o risco de oxidar.
A saída da nossa menoridade, já o dizia Descartes, marca a nossa individualidade. Não nos podemos prender a doutrinas, a tradições, a pessoas ou a instituições que ofusquem a nossa essência. É fundamental sairmos da nossa menoridade, da nossa casca; é fundamental percebermos qual é o momento para o nosso “watermelon sunrise”.


PS - Watermelon Sunrise foi escrito inicialmente há alguns meses, no meio de um devaneio de pastilhas elásticas. Em virtude de um especial pedido, é agora aqui reproduzido, com algumas alterações. Uma espécie de remake.


Lisboa, 28 de Maio de 2009

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O viril instrumento do Morgado

Numa altura em que o aborto já é uma realidade no nosso retrógrado país, este post parece não ter sentido. Na verdade, é mesmo possível que surja um pouco fora de tempo. Contudo, há uns dias, deparei-me com um pequeno poema de Natália Correia que, não tanto pela forma como está escrito (que não é suprema), mas por aquilo que expressa e pelas circunstâncias em que surgiu, merece ser partilhado.
Antes, porém, e talvez à laia de lançamento de uma série de entradas que poderão ser actuais e polémicas, devo dizer que, neste nosso Portugal, fazem faltas mais artistas destes. Temos um exemplo recente dos Xutos e Pontapés, na sua última música, mas é, infelizmente, apenas um, quando mais vão escasseando.
Longe vão os tempos de músicos, escritores, artistas, intelectuais interventivos no nosso país. Precisamente num momento em que talvez fizessem falta (refira-se que Manuel Alegre não se enquadra nesta categoria, uma vez que é primeiro político e só depois poeta!).
Bem, importa enquadrar o poema que se segue. Era dia 3 de Abril de 1982 e Natália Correia era, então, deputada pelo PS na Assembleia da República. Discutia-se, nesse dia, a despenalização do aborto e João Morgado, deputado do CDS, defendia que “o acto sexual é para ter filhos”. Para responder a esta posição, Natália Correia utilizou o poema que se segue e que, ainda que politicamente não tenha argumentos de peso, levou ao rubro o parlamento, levando mesmo à interrupção dos trabalhos.

Já que o coito – diz Morgado –
Tem como fim cristalino,
Preciso e imaculado
Fazer menina ou menino;
E cada vez que o varão
Sexual petisco manduca,
Temos na procriação
Prova de que houve truca-truca.

Sendo pai só de um rebento,
Lógica é a conclusão
De que o viril instrumento
Só usou – parca ração –
Uma vez. E se a função
Faz o órgão – diz o ditado –
Consumada essa excepção,
Ficou capado o Morgado.

Natália Correia

Lisboa, 6 de Maio de 2009

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Adormece comigo para sempre.

O sempre é, provavelmente, a unidade temporal mais dita e a que mais se evita dizer. Todos nós temos sempre a tendência, muitas vezes o desejo, de apelidar muitos acontecimentos de eternos, muitas situações como definitivas. Em suma, temos a tendência natural para, muitas vezes, dizermos que isto ou aquilo é “para sempre”. Entenda-se que aqui “sempre” significa o mesmo que “nunca”, já que o “nunca” é o “sempre” negativo.
Na maioria das vezes, aquilo que consideramos “para sempre” acaba por não o ser. É impossível prevermos se algo será eterno já que, como é óbvio, não controlamos o nosso destino. Assim sendo, parece estúpido que se digam coisas que envolvam o sempre, quando todos sabemos que o sempre é muito difícil de atingir.
Mas, então, porque existe o sempre? Porque existe a palavra e por existe o seu significado? E porque a dizemos?
Parece-me que, ao contrário do que geralmente se pensa e daquilo que já disse, o sempre existe, de facto. E não falo de um sempre abstracto que muitos admitem existir, aquele sempre que sabemos que não se refere a nada em especial, mas que sabemos que estará lá. Ou então o sempre em que alguns acreditam, uma espécie de “sempre enquanto durar”, do género: “viverei para sempre, até morrer”.
Mas não é de nenhum destes “sempre” que falo. Referia-me precisamente aquele sempre que a maioria de nós recusa. O “sempre” das coisas mundanas. Como, por exemplo, “serei do Sporting para sempre”. Muitos dirão que isto é mentira. E se, por hipótese, amanhã passar a ser benfiquista, lá virão dizer que tinham razão, que não seria para sempre do Sporting. Outro exemplo: “Os EUA serão a maior nação do mundo para sempre”, dizemos hoje. Mas daqui a dez anos poderão ser suplantados pela China. Como justificar então este sempre que defendo mas que, até agora, só neguei?
A questão fundamental é: o “eu” de ontem é o mesmo “eu” de hoje e igual ao de amanhã? Os EUA de hoje são os mesmos de 2019?
Parece-me que podemos concluir que, para ambas as perguntas, a resposta é “não”. E esta conclusão leva-nos ao ponto essencial. Se eu for a mesma pessoa que sou hoje, daqui a 80 anos, então ainda serei do Sporting. Se tiver as mesmas influências ao longo dos anos, uma história de vida sem grandes atribulações, enfim, se for o mesmo “eu” que sou hoje daqui a 80 anos, então ainda serei do Sporting.
Não posso, obviamente garantir que isso aconteça. Contudo, posso garantir que a expressão “para sempre” faz todo o sentido. Basta termos presente que o sempre a que nos referimos é um sempre tendo em conta o estado actual das coisas. Nesse sentido, se o status quo se mantiver (ou não sofrer alterações significativas), eu serei do Sporting para sempre.
Muitos outros exemplos poderíamos encontrar, e em todos esta “teoria” faria sentido. Ao contrário do que parece à primeira vista, o “sempre” é das palavras mais verdadeiras e correctas de dizer. Apenas é necessário que tenhamos presente que a pessoa que diz o sempre hoje pode não ser a pessoa que o vive no dia seguinte.




Lisboa, 20 de Abril de 2009

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O poder da natureza

As notícias de nos chegam de Itália são assustadoras. Preocupantemente assustadoras. O recente sismo que abalou o “país da bota” devia ser um bom pretexto para que reflectíssemos um pouco. Aproveitando a onda de boa-fé e optimismo que se seguiu à vinda de Obama à Europa para as cimeiras da NATO, UE e G-20, seria bom que se passasse das palavras aos actos e fizéssemos, todos (não só os governantes), um pouco mais pelo planeta.
Um sismo, como o desta noite em Itália, salvo algum desconhecimento particular da minha parte, será dos poucos fenómenos da natureza que não é uma consequência directa das agressões do Homem ao meio ambiente. Ainda assim, realçando novamente o papel fundamental dos “big bosses” mundiais no combate à poluição, sigamos o exemplo do presidente Obama que, dando uma volta de 360º na política ecológica de Bush, garantiu que os EUA iriam (finalmente!) participar no combate ao aquecimento global.
Mas, voltemos ao sismo. O que me parece mais importante reter desta catástrofe é uma lição fundamental para todos nós. Já fomos milhares de vezes bombardeados com folhetins do género, já se fizeram filmes sobre isso (O Dia Depois de Amanhã, entre muitos outros), todos no nosso subconsciente, pelo menos, o sabemos. Contudo, parcas vezes nos lembramos. Este sismo, principalmente por não ser uma consequência da acção humana, vem demonstrar que nós, a Humanidade, o Homem todo-poderoso não controla, afinal, coisa alguma.
Na noite de ontem, em Itália, milhares de pessoas foram tão vulneráveis como o Homo Erectus era na Idade da Pedra. A força da natureza mostrou que é superior a todas as criações humanas, como que a dizer “Não se esqueçam, humanuzinhos convencidos e chicos-espertos, que quem manda ainda sou eu”.
Diversas vezes, achamos que tudo depende de nós. O nosso destino pessoal será, exclusivamente, uma obra nossa (redondamente errado, a sociedade também existe). O destino do país será, quase na totalidade, da responsabilidade do nosso Governo (viu-se, com a crise que nos afecta e que começou no estrangeiro). O destino do Homem está nas mãos de duas ou três superpotências (que ainda existem). Tudo isto não passa de puras ilusões. Aliás, no nosso íntimo, temos consciência da nossa pequenez. Não só nós, portugueses, mas até o americano mais individualista o sabe.
Pode parecer moralista, paternalista, pacifista ou, arrisco dizer, religioso, mas cá vai: deixemo-nos de pequenas querelas como a guerra no Iraque ou as crises diplomáticas constantes. Preocupemo-nos, primeiro, com o mal que criámos: aquecimento global, crises humanitárias, como no Darfur, desigualdades sociais, culturais, económicas, etc; depois, tenhamos atenção ao “mal” que a natureza nos pode fazer.
Não digo que parando com as guerras e o terrorismo deixem de haver sismos, não sou lunático a esse ponto. Mas, pelo menos, enquanto não viessem os sismos e os tsunamis, viveríamos todos juntos e felizes. Até certo ponto é de louvar a rivalidade (saudável), o espírito nacionalista (moderado) e a manutenção da identidade nacional e pessoal. Mas, não nos esqueçamos que, no fim (ou no princípio), somos todos como uma vara de porcos num curral: carne da mesma espécie.


Caldas da Rainha, 6 de Abril de 2009.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Mudança

Vivemos num mundo de mudança. Tudo muda. Nós mudamos, a realidade à nossa volta muda, coisas que vemos e coisas que não vemos mudam. É inegável e impossível escapar. Quantas vezes não nos achamos a pensar em como éramos diferentes quando éramos crianças, ou como havíamos sido diferentes na noite anterior.
A mudança é constante. Mudamos muito, ao longo dos anos. Mas mudamos pouco, muitas vezes. A cada segundo estamos diferentes. A influência que a sociedade em que nos inserimos exerce em nós torna-nos vulneráveis a quase tudo e provoca alterações na nossa forma de estar, na nossa forma de ver o mundo, na nossa forma de pensar e, sobretudo, na nossa forma de ser.
Vulgarmente nos acusamos uns aos outros de termos mudado. Frequentemente, associa-se a palavra “mudança”, pelo menos neste sentido humano, a algo mau. Todos reparam quando mudamos “para pior”, todos criticam e julgam. Mas quando a mudança tem o sentido inverso, é difícil encontrar quem sequer a comente.
Contudo, desfaçamos o mito. A mudança não é o piorar de nada. É, simplesmente, uma alteração. Diariamente, confrontamo-nos com mudanças, quer no mundo físico, quer no mundo humano. De manhã está sol e, há tarde, já só vemos nuvens. Hoje estamos felizes, amanhã deprimidos. Até nos mais diversos âmbitos da vida social as mudanças se operam. Lutero era cristão e, a certa altura, professou o protestantismo. Políticos vários começam o seu percurso na direita e terminam-no na esquerda, enquanto outros fazem o caminho inverso. Até o Figo jogava, num dia, no Barcelona e, no dia seguinte, no seu maior rival.
Desde sempre que a ideia de mudança foi vista com algumas reticências. Nunca é fácil aceitar que o status quo seja alterado, quanto mais quando essa alteração é repentina. Mas é necessário estarmos preparados para isso. Ninguém podia prever que as torres iam cair, mas elas caíram e mudaram o mundo. Ninguém podia prever que empresas com enormes lucros iriam falir, mas isso aconteceu, a crise generalizou-se e temos que acarretar com as consequências.
Vendo bem as coisas, desta perspectiva, a mudança não é algo de tão grandioso, que mereça um texto. Grande novidade, que tudo muda sabemos nós todos. Certo. Que o hoje é diferente do ontem e do amanhã é trivial. Até que de geração em geração há diferenças substanciais não é surpresa. Já Camões dizia que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.
Não é, portanto, à mudança no seu sentido mais lato e sociológico que queria chegar. Não é para essa mudança que não estamos preparados porque, por mais abrupta que seja, sabemos sempre que o estado das coisas não é estático.
O que é verdadeiramente preocupante é a forma como é encarada a mudança pessoal de cada um. A forma como se olha de lado para aquele que antes era uma coisa e hoje é outra. A sociedade tem a infeliz capacidade de julgar precipitadamente. Não chegando o julgamento com base em estereótipos, é comum que esses julgamentos sejam apimentados com factores particulares. É muito mais “aliciante” comentar uma pessoa que, no dizer de alguns, “mudou” do que uma outra que, por muito que se tenha a dizer, continua igual.
Em primeiro lugar, é absolutamente ridículo este tipo de pensamento. Muitos o sabemos, mas poucos o recusamos, já que o “comentário” é algo intrínseco à condição humana. Em segundo lugar, é absurdo pensar que há pessoas que se mantêm “iguais”. Quando se ouve dizer isso, podemos estar seguros que é uma mentira. Pura e simplesmente, é impossível que assim seja.
Mudamos constantemente, a cada dia que passa. Não é aí que está a novidade. São mais aqueles que criticam que os que aplaudem essa mudança. Perfeitamente banal. O que realmente importa é ver, nestas constantes mudanças (as grandes e as pequenas, as visíveis e as invisíveis), o que há de bom. Um pacote de arroz que muda de embalagem, continua a ser um pacote com o mesmo arroz.
A mudança é saudável e necessária. Por vezes, podemos achar que mudamos (ou que os outros mudam) para pior, mas isso é falso. Mudar é progredir, é crescer. Conforme “mudamos”, acrescentamos à nossa personalidade um pouco mais, sejam virtudes, sejam erros. Em qualquer dos casos, ainda que de maneiras diferentes, estamos a contribuir para o nosso desenvolvimento e, quero acreditar, para o daqueles que nos rodeiam. Por isso, tenhamos todos presente o quão importante é a mudança e aquilo que ela significa.

Lisboa, 31 de Março de 2009.