The flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas.

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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ensitel - de novela a tragédia grega

Tomei ontem conhecimento de um episódio caricato ocorrido entre a Ensitel e uma cliente. Em traços largos, o enredo resume-se assim: a senhora X recebeu um telemóvel como presente de Natal, em 2009; o aparelho tinha problemas e dirigiu-se à loja; depois de a fazerem correr mais que uma loja, disseram-lhe que não o trocavam nem lhe davam o dinheiro; em tribunal, a lesada perde a acção porque o juiz considera que não devia ter ficado com o telemóvel. Neste ponto, começa a história a ter "piada". Porque à incompetência deste tipo de lojas já nós estamos habituados. O que não esperávamos (eu não esperava, quando comecei a tomar conhecimento da história) era que o juiz fosse complacente com o sucedido. Em suma, a pobre cliente ficou sem o telemóvel e perdeu a disputa legal. Até aqui, apesar de não concordar com o desfecho, temos que aceitar, pois os tribunais têm a última palavra.
Quem não se calou, e bem, foi a pobre senhora X, que foi actualizando o seu blog com este episódios. Até que, este Natal, recebe uma nota da Ensitel informando que, se não apagasse os posts referentes ao caso, em que punha tudo a nu, os advogados da empresa entrariam com uma acção em tribunal contra a senhora X.
Ontem, através do Facebook, do Youtube e, depois, do próprio blog fiquei a saber desta história que me parece importante ser divulgada.
Tentando dar o contraditório à Ensitel, Luís Paixão Martins explica, no seu blog, o que poderá ter acontecido para esta intimação à senhora X. Diz o especialista em Relações Públicas que deverá ter havido uma grande falha de comunicação. Quero acreditar, de facto, que foi tudo o grande mal-entendido e que a senhora X não vai, de facto, ter que apagar os seus posts.

Entretanto, também a través do Facebook, fiquei a saber deste site criado por empregados da empresa. Parece que, afinal, não é só os clientes que são enganados.

Deixo aqui o vídeo que parodia toda esta novela, que já começa a ganhar contornos que uma autêntica tragédia grega.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Instituto Novas Profissões?

Esta manhã, enquanto fazia pesquisa para uma reportagem, dei por mim no site da Comissão Política do PCP. Aqui, podemos encontrar uma fotografia de cada membro deste órgão, com respectivo nome, idade e profissão. E como estamos sempre a aprender, também eu, hoje, aprendi uma profissão nova. Por entre "Operários" e "Empregados" (não nos dizem de quê, mas se são empregados é porque têm um patrão e, para a causa, isso é que importa) eis que surgem uns quantos "Intelectuais". Fiquei a saber, portanto, não sem espanto, que existe a profissão de "Intelectual". Assim, não podemos mais acusar de pretensiosismo aqueles que se intitulam de intelectuais. Afinal, poderão ser titulares de uma profissão tão nobre como qualquer outra. 



Caldas da Rainha, 28 de Dezembro de 2010


domingo, 19 de dezembro de 2010

Uma discoteca, o bom-senso e a ordem

Todos nós sabemos que o limite mínimo de entrada numa discoteca é uma farsa. Raramente alguém é impedido de entrar só por ter menos de 16 anos. O público agradece, porque pode ir à discoteca; a gerência ainda agradece mais porque, se assim não fosse, perderia bastante clientela. No meio disto, as autoridades fiscalizadoras fazem “vista grossa” e vamos todos compactuando para que esta situação vá sendo permitida. Porém, chega uma altura em que o motivo para haver limites às entradas nas discotecas prova a sua razão de existir.
Este fim-de-semana, numa discoteca de Caldas da Rainha, pudemos perceber por que é que a lei só permite a entrada a maiores de 16 anos e por que é que, neste caso específico, o estabelecimento tem uma lotação máxima para 400 pessoas. Nenhum destes preceitos foi respeitado e, na hora de pagar a conta, gerou-se a confusão. A discoteca tinha, inegavelmente, muito mais pessoas no seu interior do que a sua capacidade permitia e grande parte dessas eram menores.
Apesar da gravidade desta situação, as consequências poderiam ter sido contidas se a gerência do espaço tivesse tido o bom-senso de, vendo tamanha avalanche de gente confinada num pequeno cubículo (onde se procedia ao pagamento), abrisse as portas e permitisse a saída. Teria prejuízo, é certo, mas evitaria que a GNR e o INEM tivessem que acorrer ao local. Contudo, já sabemos que o bom-senso, por norma, não abunda, e foi mesmo necessária a intervenção destas duas forças.
O INEM foi chamado porque, além das previsíveis consequências da venda de álcool a menores, no meio da multidão começaram as crises de ansiedade e os desmaios. A GNR foi chamada para manter a ordem, mas tivesse ficado no quartel e o resultado seria o mesmo. No início, os militares, perante o absurdo e o perigo da situação, decidiram o óbvio: abrir as portas de emergência e deixar a multidão sair. O caricato da situação ocorreu quando um membro da segurança privada da discoteca “ordenou” ao militar da GNR que fechasse a porta, porque alguém tinha que cobrir a despesa da noite. E eu pergunto (como se perguntou a um militar na ocasião, obtendo como resposta um encolher de ombros), afinal quem é a autoridade? A GNR ou a segurança privada?
Detalhes à parte, a verdade é que quem esteve mal foi a GNR. Neste episódio específico da abertura de portas, a discoteca só pode ser acusada de falta de bom-senso porque, no fundo, apenas pretendiam cumprir o seu trabalho, ou seja, cobrar as entradas a quem ali passou a noite. Cabia à GNR mostrar quem mandava e resolver o problema com celeridade.
Para mim, a verdadeira culpa da discoteca não reside no efeito, mas na causa. Ou seja, nunca deveria ter organizado uma festa desta dimensão. Se não tinha espaço e condições para o evento (o que, por mais que a discoteca insista em negar, é verdade), não o organizava. E, pior que isso, foi a organização ter sido feita a pensar já à partida em infringir o limite mínimo de idade permitido por lei. Se é mais ou menos pacífico (ilegal, mas pacífico!) que numa noite “normal” se fechem os olhos a algumas crianças que entram na discoteca, como se pode permitir que se organize uma festa de fim de aulas cujos ingressos sejam vendidos em escolas secundárias e de terceiro ciclo? Obviamente que grande parte das vendas será feita a menores de 16 anos porque são esses que maioritariamente frequentam essas escolas.
É muito grave a forma como uma discoteca promove um evento dedicado a um público que, por lei, não pode frequentá-lo. Não estão isentos de culpa os pais destas crianças, que não as deviam ter deixado ir à discoteca. Mas o grande culpado é o promotor do evento (a discoteca e uma rádio), porque deliberadamente propiciou esta situação.
Poderíamos ainda falar da forma pouco clara como foram vendidos os ingressos, sem ninguém saber muito bem o que estava a comprar (se uma entrada, se uma bebida e uma entrada, se nada disso, ou se outra coisa qualquer). Mas isso é apenas a demonstração do chico-espertismo português, de tentar enganar os outros ao máximo. A mim, pessoalmente, enganaram-me. E enganaram-me não só (nem principalmente) na venda do ingresso mas, sobretudo naquilo que foi esta noite. Todos os que foram àquela discoteca foram cúmplices com a situação gravíssima que ali aconteceu, porque todos deram cobertura ao longo dos anos e margem de manobra para que a discoteca agisse sem controlo. Como cidadãos, devíamos pensar bem sobre isto (um reflexo do país real em que vivemos) e se é assim que algum dia chegaremos a algum lado. É inaceitável e inqualificável que uma discoteca tenha promovido ao longo de semanas um evento onde se sabia que iria haver excesso de lotação (porque foram emitidos mais ingressos que os lugares disponíveis) e onde se sabia que iam estar menores de idade (porque foi a eles, maioritariamente, que foram vendidas as entradas) e ninguém tenha feito nada para o impedir ou, pelo menos, controlar. À discoteca faltou, como sempre falta, bom-senso. Mas que dizer dos que a tudo assistiram complacentemente?
Caldas da Rainha, 19 de Dezembro de 2010

domingo, 7 de novembro de 2010

Steve Doig - o matemático

Para Steve Doig, renomado professor norte-americano que durante alguns meses lecciona também na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e jornalista distinguido pelo prémio Pulitzer, não estiveram presentes, na manifestação deste sábado, cem mil pessoas. Na melhor das hipóteses, estiveram apenas dez mil. Segundo a reportagem da SIC que dá conta desta nova medição, Steve Doig é um especialista no assunto e, como tal, as suas contas são fiáveis.
Sabia que Steve Doig tinha muitos predicados, mas desconhecia esta sua habilidade para medir multidões. Seja como for, as suas contas não parecem assim tão despropositadas. Diz Doig que, quanto muito, caberiam dez mil pessoas em toda a Avenida da Liberdade e para isso tinham que estar espalmadas umas contras as outras. Ainda que me pareça que este número é reduzido, está infinitamente mais perto da realidade que os cem mil “oficiais” que os sindicatos dizem ter estado presentes na manifestação.
Obviamente que as técnicas de mediação que Steve Doig usa serão, no mínimo, questionáveis. Não pela capacidade do professor para o trabalho ou porque esteja a tentar influenciar algum dos lados, mas apenas porque, como é fácil de perceber, é difícil medir o número de pessoas numa multidão. Mas os métodos que Doig utiliza são dos mais fiáveis, tendo em conta a dificuldade do trabalho.
Porém, para aqueles que não acreditam ainda que é muito difícil terem estado cem mil pessoas este sábado na Avenida da Liberdade, façamos contas. Se um autocarro tiver em média 60 lugares, seriam precisos mais de 1600 autocarros para transportar tanto manifestante. Ainda parecem plausíveis os cem mil?
Claro que estes números são todos calculados muito no abstracto e os dados dos sindicatos até podem ser uma realidade. Contudo, parece-me muito mais credível a medição feita com algum critério por Steve Doig do que a contagem a olho feita por sindicalistas.
Já estamos habituados a que, em greves e manifestações, cada um puxe para seu lado. Até hoje, nunca soube em quem acreditar: se nos sindicatos, se no governo. No próximo dia 24, Steve Doig vai voltar à rua para fazer mais uma medição. Seguramente que as suas conclusões serão bastante diferentes das dos sindicatos. Pela minha parte, prefiro acreditar em Doig, não só por toda a credibilidade que lhe dá o estatuto de professor catedrático e prémio Pulitzer, mas principalmente pela anedota que são os sindicatos em Portugal.

Lisboa, 7 de Novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Adeus Avenida de Berna, até depois!

E finalmente, depois de muito se falar e especular, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas vai abandonar a avenida de Berna e instalar-se em Campolide, junto das faculdade de Economia e de Direito e da Reitoria da Universidade. Este projecto, já o sabemos, não é novo e muitos têm sido os esforços feitos para levá-lo a bom termo. Agora que o acordo com a Câmara Municipal está praticamente concluído, é altura de começar a pensar na mudança.
Como estudante nesta faculdade, não me poderia agradar mais a ideia da mudança. Ainda que não vá usufruir das novas instalações, alegra-me ver que finalmente os meus colegas dos próximos anos terão uma faculdade com condições decentes. Todos os que estudam e trabalham nas actuais instalações reconhecem que é preciso algo novo e moderno para substituir os velhos edifícios da FCSH (recorde-se que os actuais edifícios são provisórios há mais de 30 anos).
A nível financeiro, este parece ser também um bom negócio para a UNL. Os terrenos do novo edifício serão cedidos a custo zero pela Câmara Municipal, enquanto os terrenos da actual localização na Avenida de Berna têm um valor bastante elevado. Assim, a venda da actual morada da FCSH permitirá um importantíssimo encaixe financeiro ao Estado.
A nível pedagógico, é também importante esta mudança. É incomportável que se mantenham aulas em auditórios com péssimas condições ou em salas com lugares insuficientes. E é também pouco elegante que a melhor faculdade de ciências sociais e humanas do país apresente uma imagem tão degradada para o exterior.
A nova localização da FCSH terá ainda a vantagem de se encontrar junto a uma das residências de estudantes da Universidade o que será uma mais-valia enorme para esses mesmos estudantes. A proximidade da Reitoria tem também vantagens ao nível da burocracia que tiver que ser resolvida pelos alunos. Mas o que me parece mais vantajoso a nível “geográfico” é mesmo a proximidade com as faculdades de Direito e de Economia, pois permitirá uma maior convivência entre os vários alunos da UNL e a criação de uma identidade única da Universidade, que tanta falta tem feito.
Para mim, esta mudança de instalações só não é perfeita devido aos milhares de euros que nos últimos anos se têm gasto na recuperação da FCSH na Avenida de Berna. Esta mudança de localização é necessária e fundamental, mas penso que deveria ter tido um planeamento totalmente diferente, com vista à racionalização dos gastos que, entretanto, se fizeram.
Como ainda estudante da FCSH, espero que a nova arquitectura da Faculdade contemple espaços fundamentais para o seu bom funcionamento e que haja cuidado no planeamento para que não sejam necessários remendos às infra-estruturas poucos meses depois da inauguração. Seria bonito, também, que fosse tido em conta o grande ex-libris da FCSH e que, não podendo transportá-la da Av. de Berna para Campolide, se faça uma nova mas nos mesmos moldes. No fundo, espero que em 2013 possamos a dizer (e nessa altura com justiça) que “a FCSH é a única esplanada que tem uma faculdade!”.

Lisboa, 1 de Novembro de 2010

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Cenas dos próximos capítulos

Reunido em Conselho Nacional, o PSD faz saber o que é que o PS e o Governo têm que fazer para que o Orçamento de Estado seja viabilizado. Em resposta, o PS diz que não aceita uma negociação condicionada à partida. Passos Coelho não diz se deixa o orçamento passar ou não, mas adianta que o PSD tem que estar preparado para tudo e que assumirá as suas responsabilidades. Qual o próximo episódio?

Bem, Passos Coelho propôs, finalmente, alguma coisa. Já era tempo, uma vez que não podia apenas criticar o Governo e não apresentar alternativas. Falta apresentar medidas para o corte na despesa, mas ainda tem algum tempo para o fazer. Seja como for, já vai sendo hora de mostrar soluções.

Com a posição que assumiu hoje, Passos Coelho deixa claro que, agora, se o orçamento não passar, a culpa não será dos social-democratas. Depende agora do Governo haver ou não negociação. Contudo, pelo que temos visto nos últimos tempos e pela prepotência que Sócrates tem mostrado desde que é Primeiro-Ministro (ainda não se convenceu que não tem maioria absoluta), não vejo grande perspectiva de cedência por parte do executivo.

Ora, se o governo não ceder perante a proposta do PSD, já se sabe que o orçamento não passa. Porque não acredito que Passos Coelho volte novamente atrás e viabilize um orçamento que não contemple a sua proposta. Por outro lado, custa-me a crer que o Governo aceite, por exemplo, que o IVA suba apenas 1%. Assim sendo, dia 29 de Outubro Sócrates apresentará mesmo a sua demissão.

A minha convicção para este desfecho é apenas uma: Passos Coelho demonstrou hoje que assumirá o governo se assim for necessário. Deu ainda uma hipótese a Sócrates para negociar. Mas Passos Coelho prevê que Sócrates não aceite todas as quatro condições. E, ao apresentá-las, o líder do PSD fica sem margem de manobra para as negociar. É muito simples: ou estas medidas são contidas no orçamento, ou não há orçamento.

Depois de assistir a estes últimos desenvolvimentos, volto a acreditar que o Orçamento de Estado não será aprovado. Sabemos todos quais as consequências que isso terá. Sabemos que o PSD será acusado de ter agravado a situação e aliado uma crise política a uma crise económica e financeira. Porém, se com o Governo a cair e o PSD assumir o executivo, talvez o desfecho não seja tão mau como se prevê. No fundo, pior do que estamos é difícil ficar.

Não podemos prever qual irá ser o resultado da votação no próximo dia 29. Podemos apenas tentar imaginar. Assim sendo, quais serão as cenas dos próximos capítulos?


Lisboa, 19 de Outubro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Brincadeiras de crianças

Ao ouvir esta noite o debate “Prós e Contras” fiquei com a sensação que, às vezes, a RTP faz verdadeiro serviço público de televisão. E não apenas pelo tipo de programa que é, mas sobretudo pelo conteúdo que teve hoje. Quando se juntam três antigos Presidentes da República e o Reitor de uma grande universidade, o resultado não pode fugir muito de uma lição para o país.

Sampaio até disse que não estava ali para dar aulas a ninguém, mas a verdade é que se prestássemos atenção ao que disse, bem como aos seus companheiros de análise, teríamos muito que aprender. Qualquer um dos presentes tocou com o dedo na ferida, à sua maneira. E com todos concordei. E ainda com Henrique Granadeiro que, da plateia, fez também ele uma intervenção brilhante.

Deste debate/conversa tirei duas ilações principais: 1) ao contrário do que se diz e apesar da crise ser grave, não é o fim do mundo e 2) andamos a brincar aos países e às repúblicas.

Como bem referiram os antigos PR, haja ou não Orçamento de Estado, venha ou não o FMI a Portugal, caia ou não o Governo, toda esta situação há-de passar. Aliás, este é um pensamento muito português: depois da tempestade vem a bonança. Ainda que nas últimas décadas pouca tenha sido a bonança, como diz Sampaio, é preciso pensar positivo.

Porém, apesar desta ser uma das conclusões que tiro do debate, não concordo forçosamente com ela. É verdade, sim, que não é o Apocalipse. Mas a situação é grave e poderá ficar muito grave se o OE não for aprovado. E não podemos ignorar isso. Não podemos assobiar para o lado enquanto uns milhares fazem greves e manifestações. Não podemos fingir que é só mais um episódio de uma novela chamada “Crise”. Apesar de estarmos em crise há não sei quantos anos e de ser cada vez pior (Inês Pedrosa até sugeriu que se arranjassem outros nomes, porque os quantificadores começam a escassear), um dia vamos memos bater no fundo. E esse dia está perto. E digo isto não propriamente porque as condições de vida vão ser muito piores, mas sim porque se vão manter muito más por muito tempo, porque vai ser muito difícil reerguermo-nos.

Por outro lado, referiu Henrique Granadeiro que os políticos portugueses parecem crianças a brigar. Um que provoca o outro e o outro que faz birra e amua. Na situação em que nos encontramos, isto é intolerável. Toda a gente já sabe que Sócrates é um incompetente e que nunca devia ter sido Primeiro-Ministro. Mas se Passos Coelho quer fazer algo pelo país, então que ponha isso de lado por um momento e deixe o Orçamento passar. Porque um Orçamento de Estado é relativamente fácil de reverter, mas a desconfiança dos mercados internacionais é bem mais complexa.

Jorge Sampaio disse, esta noite, que a política precisa de gente nova, de caras novas, de ideias novas. Granadeiro explicou porquê. Eu estou totalmente de acordo. Temos políticos velhos, estruturas obsoletas e os poucos novos que aparecem são piores que os velhos.

A revolução não é a solução. Pelo menos a revolução de armas na mão. Mas é imperativo que haja uma revolução nos costumes, na postura dos cidadãos, no interesse pelo país, para que andemos para a frente. No fundo, os políticos são apenas o reflexo do país que temos. E a única forma de sairmos da crise é mexendo-nos, pressionando, lutando e apresentando ideias.


Lisboa, 11 de Outubro de 2010

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Chuva

O Inverno começou a bater à porta. A chuva começa a cair e o vento a soprar as copas das árvores. Os dias vão ficando mais curtos, mais escuros, mais tristes.

Em Portugal, estamos no Inverno há bastante mais tempo do que apenas uns dias. Alguns países passaram por uma tempestade e já começam a enfrentar a bonança. Por cá, continuamos com o tempo invernoso e ainda não vimos um ténue raio de sol por entre as nuvens.

Culpamos a conjuntura económica, que é culpa da conjuntura política e que influencia a conjuntura social. Mas, na verdade, a economia e a política não passam de desculpas e subterfúgios para algo que custa muito mais admitir.

Na verdade, o ser humano é e terá sempre que ser superior aos números. A nossa condição não se pode reger apenas por critérios económicos e/ou numéricos, ou corremos o risco de perder a nossa singularidade e superioridade. Aquilo que nos faz ser especiais é precisamente o que cada um tem de particular. E assumirmos a sociedade como um todo uno e homogéneo não é mais do que apagar a individualidade de cada um.

Culpar a economia por todos os males do mundo, é descartar as culpas que todos e cada um de nós tem. A economia não é mais que um sistema ao qual pertencemos, mas não é “o” sistema, nem tão pouco o mais importante. Como não o é nenhum sistema social. Os sistemas sociais são apenas isso mesmo: um aglomerado de indivíduos que partilham uma actividade e/ou objectivo.

Mas um sistema não pode condicionar todos os outros nem os indivíduos que dele fazem parte. Pelo menos, um sistema como o económico, que vai pouco mais além dos números e que não trata efectivamente de indivíduos.

Como defende uma teoria social, o sistema, o todo, deverá ser mais que a soma das partes. Por isso, o sistema económico não pode ser apenas um aglomerado de indivíduos. Antes, cada indivíduo, com a sua singularidade e unicidade deverá ter a capacidade de o influenciar. Contudo, colocando a responsabilidade de liderar o sistema nas mãos de um pequeno grupo, estamos a perder esse poder inerente à condição humana, que é o de, de facto, ser uma força motora da sociedade.

Assim sendo, na verdade, só depende de nós ter um futuro mais risonho à frente. Dirão, não desprovidos de razão, que não se vive de sonhos e o que dinheiro é fundamental. Certamente que sim, isso é inquestionável. Mas não é a sua falta que nos deve fazer esmorecer, parar de lutar e procurar soluções. Não somos uma massa amorfa incapaz de tomar decisões. Pelo contrário, somos um grande grupo de indivíduos cada vez mais instruído, com ideias, com capacidade empreendedora, como força para progredir.

No meio deste Inverno chuvoso que vamos atravessando, talvez não dependa exclusivamente de nós fazer com que a chuva pare. Mas, pelo menos, podemos abrir o guarda-chuva.


Lisboa, 6 de Outubro de 2010

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O clima da alma

Eu pensava, como muitos portugueses, que o Verão tinha chegado mais cedo, este ano. Pelos vistos, enganei-me. Os dias de chuva voltaram e parece que nos farão companhia por mais uma semana, pelo menos. É esta a beleza do clima: tão depressa está sol como chuva, frio como calor; uma constante incógnita.

E, ao olhar para o clima, lembro-me, inevitavelmente, de tudo o que nos rodeia. Porque, na verdade, não somos todos e cada um de nós uma espécie de clima com pequenos micro-climas dentro de si? Nunca sabemos como será o dia de amanhã. Podemos ter uma previsão (tal como do estado do tempo), mas nunca pode ser totalmente segura e, muitas vezes, não se concretiza.

Nesse caso, para que serve a meteorologia? E qual é a nossa meteorologia, a meteorologia da alma?

Não me parece que haja forma de responder com exactidão. Sabemos que a meteorologia serve para prever o tempo, mas qual a sua utilidade se não é cem por cento certa? Tal como as nossas esperanças e os nossos desejos, as nossas convicções e as nossas certezas – tão fortes como o sol que se previa, mas que foi coberto por uma nuvem de última hora.

Quantas vezes não estamos certos de algo que, volta e meia, se revela uma mentira ou um erro? E quantas vezes estamos com dúvidas sobre que roupa vestir, quando a previsão parece clara? Que significa toda esta dúvida que nos assola quando devíamos estar esclarecidos?

Bem, se calhar não somos assim tão dependentes da meteorologia. Até aqueles que parecem ter uma psicose com o tempo que vai fazer no dia a seguir sabem, no fundo, que não passam de números quase vazios. Porque, de facto, sabemos que o clima, como nós, não é previsível. Porque o clima, como as nossas acções, tem lugar no futuro. E eu não acredito que o futuro alguma vez possa ser presente antes que seja hora de o ser.

Resignemo-nos, portanto, à inevitabilidade de viver na incerteza. E de conviver com as rasteiras que o tempo nos passa. Seja o tempo físico, seja o tempo psicológico, sejam horas, ou sejam meses. A inconstância do clima real é a analogia perfeita para o clima pessoal de cada um. Tal como o estado do tempo, também nós não nos podemos controlar e estamos dependentes de uma série de factores que, conjugados, nos traçam um caminho.

Até que ponto influenciamos o nosso futuro? Mantendo a analogia, tenho medo da resposta: tanto quanto me lembro, só pioramos o estado do clima do planeta.


Lisboa, 14 de Abril de 2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

Ordem e Progresso

Uma perseguição da polícia na passada madrugada terminou com a morte do fugitivo e com o polícia autor do disparo constituído arguido. Ao que parece (a julgar pelas notícias que tenho lido), o jovem de 25 anos não respeitara a ordem para parar numa operação STOP e a PSP iniciou a perseguição. Tudo acabou em Benfica, com o fugitivo a ser baleado mortalmente.

Até aqui, nada de estranho. Aliás, só me parece que podiam ter acabado com a perseguição mais cedo (e da mesma forma), para poupar no combustível gasto. Porém, a lei portuguesa não tem o mesmo entendimento. Na verdade, o operacional da polícia, de 28 anos, foi constituído arguido, uma vez que, segundo a lei, ainda não está provado se havia perigo para a vida dos agentes da polícia ou de terceiros. Parece-me, a mim que sou um leigo na matéria, que só o facto de andar a fugir a alta velocidade nas ruas de Lisboa já é um perigo suficiente. Mas posso estar enganado!

E o mais chocante neste caso todo é que o agente da PSP ainda corre o risco de ser suspenso e acusado de homicídio. Para já, deverá ser afastado da actividade policial enquanto decorrem as investigações da Polícia Judiciária.

Bem, neste país, já nada me surpreende. Mas não consigo ficar indiferente ao ver que os criminosos têm mais direitos que os polícias, por exemplo. Não consigo perceber como é que é possível que o nosso Estado se tenha tornado tão liberal a ponto de um agente da autoridade incorrer numa acusação de homicídio enquanto cumpria o seu dever de manter a ordem pública.

A direita, e em especial Paulo Portas e o CDS têm alertado muito para este facto. Há uns anos, riam-se deles. Nas últimas eleições, os portugueses começaram a dar-lhes razão, o que se reflectiu nos resultados alcançados. Porque penso que é quase unânime (e não totalmente porque ainda há supostos intelectuais de esquerda que querem acabar com o exército e instaurar uma quase anarquia) que todos preservamos a nossa segurança e a prevalência do bem sobre o mal. Se se perguntar ao cidadão comum o que pensa do caso descrito (ou de tantos outros a que, de quando em vez, assistimos), é quase certo que a esmagadora maioria das respostas irá no mesmo sentido: o respeito pela ordem.

As sociedades actuais, cada vez mais globalizadas e complexas, são cada vez mais difíceis de governar e levar num rumo certo. Porém, temos que ter presente que só conseguiremos, algum dia, um mínimo de progresso se tivermos presente a necessidade de haver ordem.

Hoje em dia, tudo é um ataque à liberdade de expressão. Achamos (e uso a primeira pessoa apenas para representar os portugueses em geral, não que me inclua propriamente neste “nós”) que temos direito a tudo. Que porque vivemos 40 anos numa ditadura, agora tudo é liberdade. Mas não é assim. Até porque quem mais milita por esta liberdade (que mais não é que libertinagem), nem sequer viveu os horrores da ditadura.

Não podemos ter medo de condicionar a liberdade. Não é por pretendermos uma sociedade com mais ordem, com noção das hierarquias e do respeito pelas instituições e com uma mão forte no comando que vamos ser fascistas. É muito fácil e fica bem dizer-se que a direita (principalmente o CDS) é de extrema-direita ou, no limite, fascista. Mas se fizermos um exercício introspectivo, concluiremos que todos nós, quando atacados, o que queremos é que “se faça justiça” e quase esquecemos que o criminoso tem direitos.

As democracias ocidentais têm, cada vez mais, caminhado num sentido de cada vez maior permissão. Isto deve-se, em grande parte, devido à participação numa União Europeia e nalgumas outras organizações internacionais. Porém, nestas alturas, recordo-me sempre da “dama de ferro”, que tanta falta nos fazia. Se houvessem mais líderes como Margaret Tatcher, não tenho dúvida que o respeito pela ordem era maior e que o progresso (económico, social, cultural, pessoal) seria bem mais evidente.


Lisboa, 15 de Março de 2010

domingo, 14 de março de 2010

Às Direitas

O fim-de-semana político em Portugal ficou marcado pelo Congresso do PSD em Mafra. Já se sabia que não era um encontro decisivo e, no dizer de muitos analistas, era mais um comício tripartido que outra coisa. Nas minha perspectiva, foi muito mais que isso.

Em vez disso, foi uma demonstração de união dos sociais-democratas. Mesmo com divisões internas e com 3 candidaturas (que me perdoe Castanheira Barros, mas não me parece que entre para as contas finais), o Congresso serviu para muito mais que simples campanha.

Santana Lopes fez propostas, a meu ver, muito interessantes e pertinentes. A ideia de haver eleições directas no dia do Congresso e, principalmente, de haver um Congresso prévio é louvável. Não faz sentido fazer um Congresso depois das eleições. As discussões fazem-se antes, não depois.

Esta proposta, porém, bem como a proposta de haver uma segunda volta não foram aprovadas, para já. Mas todos os candidatos à liderança deixaram claro que poderiam voltar à discussão após as eleições. Há vontade de mudar, e isso é sempre um facto positivo.

Por outro lado, foi aprovada a proposta de haver sanções para quem criticasse a posição do partido nos 60 dias anteriores a um acto eleitoral. Pode-se pensar que é uma medida quase ditatorial, mas, se bem nos recordamos, foram todas as dissensões dos últimos anos que levaram o partido a esta situação. Ainda que discutível, pode ser positiva.

Inesquecível é, por seu lado, a intervenção de Fernando Costa, presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha. Muitos o acusam de ser politicamente incorrecto, de não se saber comportar em público e de ser inconveniente. Contudo, temos que reconhecer: Fernando Costa disse o que muitos pensam, mas quase nenhuns, com medo de “represálias”, dizem. Louve-se, por isso, a sua coragem e a forma como soube apontar a tudo e todos, sem deixar de reiterar o mais importante: a união dentro do partido e a força para derrubar o governo socialista. Se fossem todos assim…

Fora do congresso, mas também “às direitas”, uma nota de louvor também para Cavaco Silva. O Presidente da República remeteu para o Tribunal Constitucional o texto da lei dos casamentos homossexuais, com excepção do artigo que dizia respeito à adopção. Era uma atitude esperada, mas, nem por isso, menos acertada. Esperemos agora pela resposta da justiça. Pode ser que o casamento homossexual não seja um dado tão adquirido como se julgava e a proposta do PSD para a união civil registada seja vista com outros olhos.

Em conclusão, reitera-se o pedido de Pedro Passos Coelho ao engenheiro Sócrates. Já que demorou tanto tempo a apresentar o PEC, que adie a sua discussão por duas semanas, para que o novo líder do PSD tenha algo a dizer. Ficava-lhe bem.

Lisboa, 14 de Março de 2010

Retratos e Teatros

Finalmente online o blog "Retratos e Teatros". Um espaço de comentário diário semanal, como grandes nomes do teatro mediático nacional.

segunda-feira, 8 de março de 2010

O Triunfo das Mulheres?

Afinal, Manuela Ferreira Leite tinha razão. Afinal, o TGV devia ser adiado. Afinal, os portugueses é que não perceberam. Nada de novo, portanto. Ainda assim, não deixa de ser irónico esta pequena "vitória" de MFL. No Dia Internacional da Mulher, o Plano de Estabilidade e Crescimento é apresentado e, entre outras medidas, o governo do senhor engenheiro recua nas linhas de TGV previstas entre Lisboa - Porto - Vigo, uma medida que MFL defendeu acerrimamente na campanha eleitoral.
Mas, politiquices de fora, hoje é o Dia da Mulher. Todos os anos, quando chega ao dia 8 de Março, não consigo evitar rir-me para comigo mesmo. Não consigo encontrar nenhum "dia" mais incongruente do que este. É que o Halloween ou o Dia dos Namorados ainda têm um propósito comercial. Goste-se ou não, festeje-se ou não, pelo menos para a economia tem significado. Agora, o Dia da Mulher consegue ser ainda mais oco de sentido.
Muitos dirão que este dia destina-se a recordar que as mulheres ainda são discriminadas, que ganham menos que os homens, que são maltratadas. Seria uma perfeita falta de bom senso procurar negar estes factos. É indiscutível que, nalguns casos, nalgumas sociedades, as mulheres ainda são postas de lado. Mas daí a fazer um dia que o comemore!...
Porque repare-se, este dia mais não faz que relembrar, precisamente, o que as mulheres sofrem. Mas, na prática, não serve rigorosamente para nada. Reconheço que algo tem que ser feito, sem dúvida. Mas "dias" assim não resolvem nada. Principalmente, porque as mulheres são discriminadas nos países subdesenvolvidos, aqueles onde os "festejos" deste dia não têm relevância. Não podemos dizer, com justiça, que nos países desenvolvidos as mulheres sejam alvo de exclusão. É uma hipocrisia, ainda que muitos pseudo-feministas agitem números e estatísticas que julgam comprovar o que dizem.
E a prova do que digo está, por exemplo, nas lideranças políticas. Hillary Clinton é Secretária de Estado dos EUA, Angela Merkel é Chanceler Alemã, Catherine Ashton é Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros, o governo de Zapatero é composto por inúmeras ministras. Fora esta pequena lista, há ainda os exemplos históricos de, por exemplo, Margaret Tatcher ou Madeleine Albright ou os recorrentes países nórdicos, onde as mulheres desempenham um papel fundamental na vida política.
Não me parece que se possa, assim, dizer que as mulheres são discriminadas. E esclareça-se bem: não sou, nem de longe, anti-feminismo. Simplesmente, considero que "dias" da Mulher, leis da paridade e, em suma, tudo o que seja feito para tentar colocar "a mulher" num lugar quase por encomenda é um desprestígio para as próprias mulheres. Há muitas mulheres com muitas qualidades (arrisco dizer que superam os homens) que não precisam de clichés para se afirmarem socialmente.
Em vez de se continuar com esta fantochada do Dia da Mulher, era realmente importante proteger as mulheres (e os homens) naquilo que são mais fracos (se em vez de recordar que existe, se combatesse no terreno a violência doméstica, por exemplo, talvez fosse mais louvável), em vez de relembrar a discriminação de que são alvo. Afinal, ao fim de cem anos, o "dia" da Mulher teve algum resultado?

Lisboa, 8 de Março de 2010

sábado, 13 de fevereiro de 2010

We Are The World (again)

Numa altura em que parecem não haver regras para o que quer que seja, em que cada um faz o que quer e em que os valores morais parecem não existir, ainda podemos distinguir alguns sinais que nos devem orgulhar. Muito se fala sobre o papel dos media na sociedade e sobre o papel da sociedade nos media. Muito se criticam ambos.
Porém, é quase reconfortante ver como uma "sociedade" de músicos e pessoas tão diferentes se soube unir, 25 anos depois, para re-gravar "We Are the World" e apoiar as vítimas do terramoto no Haiti. Dos participantes do vídeo dos anos 80 já poucos restam, mas foram substituídos por grandes nomes do mundo do espectáculo da actualidade.
O vídeo foi transmitido ontem, antes no início da cobertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, na NBC. Há quem diga que os media estão corrompidos. Mas são os media que conseguem promover este tipo de iniciativas e globalizá-las.





Caldas da Rainha, 13 de Fevereiro de 2010

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Deja vu?

Em Outubro de 2004, o senhor engenheiro fez futurismo. Eis algumas das declarações que fez na altura, certamente referindo-se aos dias de hoje:

"Eu não me lembro de um episódio tão triste e que envergonhe tanto a democracia como um episódio deste tipo."

"Estou convencido que houve aquilo que está à vista de todos: uma queixa do Governo que levou ao silêncio de um comentador."

"Acho que o Primeiro-Ministro deve uma explicação ao país e deve, principalmente, um pedido de desculpas ao país."

"Um ministro do seu governo fez uma pressão ilegítima junto duma estação privada e que conduziu à eliminação de uma voz incómoda para o seu governo."

"Esse episódio é um episódio indigno de um governo democrático."

"Sr. Primeiro-Ministro, isso é uma nódoa que o vai perseguir."

"Este acto vem manchar o nosso regime democrático."

"Lamento que o senhor Primeiro-Ministro se escude permanentemente no silêncio."

"O governo actuou com o objectivo de eliminar uma voz incómoda."

"Nunca nos tempos do governo socialista isto aconteceu. Nem nunca o governo se queixou das vozes incómodas."

Estas declarações são tão insólitas que, para que não se duvide do que aqui se transcreve, aqui fica o vídeo onde podem ser comprovadas, a partir do minuto 19.




Lisboa, 11 de Janeiro de 2010

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

"M" Syndrome

Já todos sabíamos que a habilidade do senhor engenheiro para governar era quase tanta como para fazer jogging: eram duas actividades que fazia no tempo livre. O que ainda não estava completamente esclarecido ou, pelo menos, explícito, era a sua falta de habilidade para governar mal. Que não sabia governar bem, não era novidade. O que me espanta é que também não saiba governar mal.
Olhe-se, por exemplo, para o senhor major ou para o senhor presidente. Repare-se na forma como conseguem que o futuro lhes sorria. Têm a capacidade de manipular resultados e, principalmente, de o fazer impunemente. A discrição, a forma subliminar, a dissimulação com que puxam os cordelinhos, apesar de reprovável, tem que ser elogiada.
Sempre achei que as jogadas eram as mesmas entre rosas e laranjas. Uns não eram melhores nem piores que os outros. Contudo, os rosas sabiam fazê-lo pela calada, enquanto os laranjas eram sempre apanhados em flagrante.
Agora, o senhor engenheiro não conseguiu nem chegar perto da dissimulação a que os rosas nos habituaram. Depois de inúmeros outros casos em que já no ar ficara a suspeita de ter metido o dedinho, agora o descaramento chegou ao cúmulo. Já nem houve lugar para os telefonemas a pressionar ou para as mensagens em código. Foi, simplesmente, no meio dum restaurante, para quem quisesse ouvir. Eu sentir-me-ia até desrespeitado e insultado se fosse o director do canal em questão. Quer dizer, lá por ser um canal dirigido por um fundador laranja, não é preciso ter menos respeito por isso. Ao outro, que era do amigo espanhol, dignou-se a manipular minimamente como devia ser. Ao público, porque mandava, só teve que mandar e pronto (e mesmo assim fê-lo dando a transparecer que não o tinha feito). Mas a este, que é destro, já só lhe calha uma altercação pública. Onde está, afinal, a igualdade?
Não nutro especial simpatia ou admiração pelo jornalista-louco. E o facto de ter uma longa e meritória carreira (que é inquestionável) não é para aqui chamado. Porém, tudo tem limites. As crianças mimadas que fazem birras quando lhes dizem que não podem ir brincar com os comboios e os aviões ficam de castigo, em vez de irem para o recreio. Quanto tempo mais será preciso, quantos mais amuos, para que esta criança seja posta de castigo?
Podemos aceitar que o senhor engenheiro não gostasse que na televisão espanhola a jornalista desse opiniões. E que na portuguesa o professor aconselhasse livros (nem todos podemos ter a sensibilidade para a suprema actividade da leitura; há quem não consiga passar das revistas cor-de-rosa e com esses temos que ser solidários). Mas, caramba, que mal tinha um velho senhor a dizer, numa voz arrastada e quase poética, enquanto o mapa deste país surgia no ecrã com a meteorologia para o dia seguinte, que passavam vinte anos desde a queda do muro e que os cravos tinham sido há trinta e cinco?
Aí está! Se calhar tinha mal dizer que o velho continente é livre e que o nosso país é democrático. Para alguns isso não costuma cair bem.

PS (post scriptum) - Enquanto escrevia, descobri uma possível causa para este problema do senhor engenheiro. Na verdade, pode padecer de uma rejeição da letra M. Senão veja-se: Moura Guedes, Moniz, Marcelo, Mário Crespo e, fala-se, Medina Carreira. Outros mais poderão haver que não me recorde e que derrubem esta teoria. Se assim for, em nome da liberdade de opinião e de expressão, alguém me corrija.


Caldas da Rainha, 3 de Fevereiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Ilusão

"Perhaps what isn't intelligible for me isn't therefore unreasonable. There may be a realm of wisdom from which the logician is banished."
(autor indeterminado)

Ele ali estava. No mesmo sítio de todos os dias. Com os mesmos olhos escuros e penetrantes que pareciam perscrutar tudo o que se passava à sua volta. Passava os dias no mesmo sítio, sentado, dir-se-ia que a dormir. Não falava, mas ouvia. À noite, quando era arrastado para a cama, servia de aconchego e era o passaporte para um mundo diferente.

Era um mundo perfeito. Perfeito e, mesmo assim, tão parecido com o mundo de todos os dias. O acordar era idêntico, mas mais solitário. A chuva caía da mesma maneira lá fora, fazia o mesmo barulho, provocava o mesmo sentimento de distância. Porém, agora só lá estava ele, no meio dos seus braços, para poder partilhar aquela manhã chuvosa.

Mas tudo o resto estava, às vezes, tão próximo. Foram muitos os momentos em que julgou acordar dum pesadelo. Contudo, quando começava a distinguir os contornos dos objectos no quarto, distinguia também os contornos dos seus pensamentos. Na verdade, em vez de um pesadelo, não passara mais de um sonho em que a realidade era um pesadelo.

No meio de todas estas controvérsias, tinha momentos, sempre ao acordar, em que confundia a realidade com o resto. Em certas alturas, chegava a revolver-se na cama, como que certificando-se que estava, de facto, só.

Não completamente só, é verdade. Ele lá estava, olhando e escutando tudo em redor. Seu velho companheiro de aventuras. Agora não passava de uma bengala em que se apoiava. Era o álbum de fotografias que o velho conquistador de mundos apreciava, todos os dias, com a nostalgia dos tempos de glória.

Tão pequeno e, ao mesmo tempo, tão poderoso. Tinha a capacidade de o fazer recordar até o nascimento do mundo, sem que sequer lá tivesse estado presente. Era aquilo que se poderia designar como um projector. Como os que mostram filmes. Na verdade, ele mostrava filmes. Os filmes que se queria ver. Ele sim era uma verdadeira caixa mágica.

E no fim, não passavam de ilusões. Quando a chuva começava a soar nos seus ouvidos ainda meio adormecidos, já o filme estava nos créditos finais. Ou se não estava, nunca chegaria ao fim. A chuva marcava o fim da ilusão e o começo da realidade. Pelo menos, daquilo que se julgava mais real. Porque, afinal, o que é e o que não é real? Nos seus sonhos, tudo era real, até o pesadelo que, na realidade, era real.

Sempre que tomava a sua chávena de café matinal e pensava sobre o que era ou não real, o que tinha sido ou não ilusão, concluía o mesmo: não entendia e, por isso, desejava ardentemente voltar para junto do seu companheiro, que lhe mostraria o novo episódio, na esperança que percebesse o que era afinal.

Mas, invariavelmente, se resignava. Nestes momentos, apercebia-se sempre da sua pequenez. De como o mundo era grande e complexo e como ele, ali sentado a beber café, não percebia sequer se ele funcionava ou não, quanto mais como funcionava.

Era esta sua ignorância que lhe permitia desejar algo mais. Era ela que o fazia querer todas as noites o mesmo filme. Enquanto o visse, não seria uma ilusão, porque sentia o que ele lhe queria transmitir.


Lisboa, 15 de Janeiro de 2010