The flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas.

.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Caim

Diariamente somos confrontados com a nossa pequenez. A nossa pequenez enquanto pessoas, enquanto seres humanos, enquanto seres sociais. Contudo, por vezes ainda consigo ser surpreendido quando vejo quão grande pode ser a nossa pequenez. Neste caso, falo da nossa pequenez enquanto país.
Saiu dia 19, segunda-feira, para as bancas o mais recente livro de José Saramago, Caim. Já se esperava que este novo volume suscitasse polémica. Após toda a celeuma provocada por O Evangelho Segundo Jesus Cristo, em 1991, na altura protagonizada por Sousa Lara, agora é a vez de Caim.
Não obstante a discussão que já se esperava, fico admirado com a forma como a inteligência humana pode ser tão pouca. Já estamos habituados às vulgares críticas da Igreja Católica. Já se esperam que todos aqueles que nunca leram Saramago o critiquem e digam que o Nobel português não saiba escrever. Mas o eurodeputado do PSD Mário David conseguiu ir mais longe.
É muito curioso verificarmos que um deputado eleito para representar e defender Portugal na Europa tenha dito, no seu blog, que se envergonha de ser compatriota de Saramago e que o escritor devia mesmo trocar de nacionalidade.
Se é verdade que já fomos habituados por muitos portugueses a rejeitar o que temos de bom, não deixa de ser curioso que aqueles que têm responsabilidade em defender-nos além-fronteiras façam precisamente o contrário.
José Saramago é um grande escritor. O único português a ganhar o Prémio Nobel. Muitos o criticam, poucos o lêem. De Saramago se fizeram filmes, óperas e teatros. No entanto, em Portugal, este octogenário (pois é, já são 86 anos) só é notícia pelas piores razões.
Felizmente (e é nestes momentos que me sinto intelectualmente alguém), posso orgulhar-me de ter lido Saramago e de o considerar um dos melhores escritores de sempre. E, se todos tivéssemos um olhar imparcial, facilmente lhe reconheceríamos todos os méritos que tem.
Provavelmente, sou o maior opositor político de José Saramago. Porém, é a nossa racionalidade que nos permite ver além destas diferenças. Admiro José Saramago e tenho orgulho que ele (ainda) seja meu compatriota. Pelo contrário, eu, um português que claramente não se sente representado por Mário David (que ajudou a eleger), tenho vergonha que no meu país se diga o que se diz, a quem não merece que seja dito.
Mesmo sabendo à partida que Mário David não lerá este blog, gostava que ele se recordasse daquilo por que a sua líder partidária muito se bateu. A asfixia democrática que marcou a campanha eleitoral ressurgiu agora, pelas palavras do eurodeputado social-democrata. Por muito que o livro de Saramago possa ir contra a Bíblia (não sei se vai, ainda não o li), nada é mais valioso que a possibilidade que nos deu o 25 de Abril de podermos escrever o que queremos.
José Saramago é um senhor da literatura e da sociedade. É um português e merecia ser respeitado por isso, independentemente da sua qualidade literária. Fosse eu José Saramago, e já há muito tempo teria cumprido a promessa e deixado de ser português.


Lisboa, 21 de Outubro de 2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Efananauei

Todos os dias somos confrontados com uma realidade diferente. É aceite por todos que o mundo (seja o mundo no geral, seja a nossa vida em particular) está em constante mutação e nós, provavelmente cada vez menos, podemos controlar essa mudança. No entanto, isso não é importante, se aproveitarmos cada momento. Principalmente aqueles momentos que podemos controlar.
Esta introdução pseudo-moral pode fazer pensar que este será um post que reflicta a condição humana e a mudança dos tempos. Mas nada disso. Neste post apenas se pretende, muito simplesmente destacar a forma como, de algo muito simples, se pode fazer mudar muita coisa.
Tomamos como exemplo de partida um curioso vídeo do último episódio da terceira série d’Os Contemporâneos, da RTP 1. Nele, os humoristas do programa conseguem, através duma música (diria eu parva), fazer um sketch (arrisco novamente o mesmo adjectivo) que, não tendo uma imensa piada, consegue fazer rir. E que quer, então, isto dizer?
Bem, os mais cépticos e críticos dirão que não quer dizer nada, a não ser que vivemos num país que elogia a parvoíce. Quanto a mim, parece-me que será algo mais que isso. Os Contemporâneos conseguiram, do nada, fazer com que um grupo de pessoas anónimo se juntasse na rua, à sua volta, e fizesse uma festa, naquele momento. Através de uma pequena música estúpida, conseguiu-se que um grupo de pessoas desconhecidas se divertisse. E conseguiu-se que muitos espectadores em casa de rissem e esquecessem, por uns momentos, as dificuldades das suas vidas.
Não está aqui em causa se o sketch tinha graça ou não. Aceita-se que o que acima foi dito não seja uma verdade universal. No entanto, serve para provar o fundamental deste post. Podemos queixar-nos do tempo, que não controlamos. Podemos queixar-nos dos impostos, em que não mandamos. Podemos queixar-nos dos ladrões que nos assaltam, porque não podemos fugir. Mas não nos podemos queixar de que nada depende de nós.
É um espírito muito português (ou latino, ou universal) pôr as culpas sempre nos outros. Mas o segredo está em, depois de passar por cima daquilo que não controlamos, fazer algo por nós. Por mais pequenas que sejam as coisas que façamos (como o sketch d’Os Contemporâneos), podemos fazer algo para mudar o nosso dia-a-dia.

E já agora, eis o vídeo d'Os Contemporâneos:


PS1 - Não se pode dizer que tenha sido um regresso em grande do "Borboletas e Furacões", mas faltam dois meses para o Natal, por isso é melhor começar desde já com um espírito de paz e harmonia para todos.

PS2 - Espera-se que, brevemente, a qualidade literária deste blog suba!

Lisboa, 19 de Outubro de 2009