Diariamente somos confrontados com a nossa pequenez. A nossa pequenez enquanto pessoas, enquanto seres humanos, enquanto seres sociais. Contudo, por vezes ainda consigo ser surpreendido quando vejo quão grande pode ser a nossa pequenez. Neste caso, falo da nossa pequenez enquanto país.
Saiu dia 19, segunda-feira, para as bancas o mais recente livro de José Saramago, Caim. Já se esperava que este novo volume suscitasse polémica. Após toda a celeuma provocada por O Evangelho Segundo Jesus Cristo, em 1991, na altura protagonizada por Sousa Lara, agora é a vez de Caim.
Não obstante a discussão que já se esperava, fico admirado com a forma como a inteligência humana pode ser tão pouca. Já estamos habituados às vulgares críticas da Igreja Católica. Já se esperam que todos aqueles que nunca leram Saramago o critiquem e digam que o Nobel português não saiba escrever. Mas o eurodeputado do PSD Mário David conseguiu ir mais longe.
É muito curioso verificarmos que um deputado eleito para representar e defender Portugal na Europa tenha dito, no seu blog, que se envergonha de ser compatriota de Saramago e que o escritor devia mesmo trocar de nacionalidade.
Se é verdade que já fomos habituados por muitos portugueses a rejeitar o que temos de bom, não deixa de ser curioso que aqueles que têm responsabilidade em defender-nos além-fronteiras façam precisamente o contrário.
José Saramago é um grande escritor. O único português a ganhar o Prémio Nobel. Muitos o criticam, poucos o lêem. De Saramago se fizeram filmes, óperas e teatros. No entanto, em Portugal, este octogenário (pois é, já são 86 anos) só é notícia pelas piores razões.
Felizmente (e é nestes momentos que me sinto intelectualmente alguém), posso orgulhar-me de ter lido Saramago e de o considerar um dos melhores escritores de sempre. E, se todos tivéssemos um olhar imparcial, facilmente lhe reconheceríamos todos os méritos que tem.
Provavelmente, sou o maior opositor político de José Saramago. Porém, é a nossa racionalidade que nos permite ver além destas diferenças. Admiro José Saramago e tenho orgulho que ele (ainda) seja meu compatriota. Pelo contrário, eu, um português que claramente não se sente representado por Mário David (que ajudou a eleger), tenho vergonha que no meu país se diga o que se diz, a quem não merece que seja dito.
Mesmo sabendo à partida que Mário David não lerá este blog, gostava que ele se recordasse daquilo por que a sua líder partidária muito se bateu. A asfixia democrática que marcou a campanha eleitoral ressurgiu agora, pelas palavras do eurodeputado social-democrata. Por muito que o livro de Saramago possa ir contra a Bíblia (não sei se vai, ainda não o li), nada é mais valioso que a possibilidade que nos deu o 25 de Abril de podermos escrever o que queremos.
José Saramago é um senhor da literatura e da sociedade. É um português e merecia ser respeitado por isso, independentemente da sua qualidade literária. Fosse eu José Saramago, e já há muito tempo teria cumprido a promessa e deixado de ser português.
Saiu dia 19, segunda-feira, para as bancas o mais recente livro de José Saramago, Caim. Já se esperava que este novo volume suscitasse polémica. Após toda a celeuma provocada por O Evangelho Segundo Jesus Cristo, em 1991, na altura protagonizada por Sousa Lara, agora é a vez de Caim.
Não obstante a discussão que já se esperava, fico admirado com a forma como a inteligência humana pode ser tão pouca. Já estamos habituados às vulgares críticas da Igreja Católica. Já se esperam que todos aqueles que nunca leram Saramago o critiquem e digam que o Nobel português não saiba escrever. Mas o eurodeputado do PSD Mário David conseguiu ir mais longe.
É muito curioso verificarmos que um deputado eleito para representar e defender Portugal na Europa tenha dito, no seu blog, que se envergonha de ser compatriota de Saramago e que o escritor devia mesmo trocar de nacionalidade.
Se é verdade que já fomos habituados por muitos portugueses a rejeitar o que temos de bom, não deixa de ser curioso que aqueles que têm responsabilidade em defender-nos além-fronteiras façam precisamente o contrário.
José Saramago é um grande escritor. O único português a ganhar o Prémio Nobel. Muitos o criticam, poucos o lêem. De Saramago se fizeram filmes, óperas e teatros. No entanto, em Portugal, este octogenário (pois é, já são 86 anos) só é notícia pelas piores razões.
Felizmente (e é nestes momentos que me sinto intelectualmente alguém), posso orgulhar-me de ter lido Saramago e de o considerar um dos melhores escritores de sempre. E, se todos tivéssemos um olhar imparcial, facilmente lhe reconheceríamos todos os méritos que tem.
Provavelmente, sou o maior opositor político de José Saramago. Porém, é a nossa racionalidade que nos permite ver além destas diferenças. Admiro José Saramago e tenho orgulho que ele (ainda) seja meu compatriota. Pelo contrário, eu, um português que claramente não se sente representado por Mário David (que ajudou a eleger), tenho vergonha que no meu país se diga o que se diz, a quem não merece que seja dito.
Mesmo sabendo à partida que Mário David não lerá este blog, gostava que ele se recordasse daquilo por que a sua líder partidária muito se bateu. A asfixia democrática que marcou a campanha eleitoral ressurgiu agora, pelas palavras do eurodeputado social-democrata. Por muito que o livro de Saramago possa ir contra a Bíblia (não sei se vai, ainda não o li), nada é mais valioso que a possibilidade que nos deu o 25 de Abril de podermos escrever o que queremos.
José Saramago é um senhor da literatura e da sociedade. É um português e merecia ser respeitado por isso, independentemente da sua qualidade literária. Fosse eu José Saramago, e já há muito tempo teria cumprido a promessa e deixado de ser português.
Lisboa, 21 de Outubro de 2009