The flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas.

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quarta-feira, 6 de maio de 2009

O viril instrumento do Morgado

Numa altura em que o aborto já é uma realidade no nosso retrógrado país, este post parece não ter sentido. Na verdade, é mesmo possível que surja um pouco fora de tempo. Contudo, há uns dias, deparei-me com um pequeno poema de Natália Correia que, não tanto pela forma como está escrito (que não é suprema), mas por aquilo que expressa e pelas circunstâncias em que surgiu, merece ser partilhado.
Antes, porém, e talvez à laia de lançamento de uma série de entradas que poderão ser actuais e polémicas, devo dizer que, neste nosso Portugal, fazem faltas mais artistas destes. Temos um exemplo recente dos Xutos e Pontapés, na sua última música, mas é, infelizmente, apenas um, quando mais vão escasseando.
Longe vão os tempos de músicos, escritores, artistas, intelectuais interventivos no nosso país. Precisamente num momento em que talvez fizessem falta (refira-se que Manuel Alegre não se enquadra nesta categoria, uma vez que é primeiro político e só depois poeta!).
Bem, importa enquadrar o poema que se segue. Era dia 3 de Abril de 1982 e Natália Correia era, então, deputada pelo PS na Assembleia da República. Discutia-se, nesse dia, a despenalização do aborto e João Morgado, deputado do CDS, defendia que “o acto sexual é para ter filhos”. Para responder a esta posição, Natália Correia utilizou o poema que se segue e que, ainda que politicamente não tenha argumentos de peso, levou ao rubro o parlamento, levando mesmo à interrupção dos trabalhos.

Já que o coito – diz Morgado –
Tem como fim cristalino,
Preciso e imaculado
Fazer menina ou menino;
E cada vez que o varão
Sexual petisco manduca,
Temos na procriação
Prova de que houve truca-truca.

Sendo pai só de um rebento,
Lógica é a conclusão
De que o viril instrumento
Só usou – parca ração –
Uma vez. E se a função
Faz o órgão – diz o ditado –
Consumada essa excepção,
Ficou capado o Morgado.

Natália Correia

Lisboa, 6 de Maio de 2009

3 comentários:

Solange Morgado disse...

O Manuel Alegre é acima de tudo mum grande poeta e é por isso que ele se tem baralhado tanto na política. Deve continuar a fazer poesia e enterrar o milhão de votos que o envaideceu tanto, e que aliás já não tem.

SS disse...

Pois... fazem falta os "artistas" nas mais diversas áreas que façam com que a mentalidade do publico avance... Pois se os media tem um poder.. A fama também tem... Mas o nosso Portugal não aceita isso... Lançamos para os Tops a Floribella, as JustGirls, os Jonas Brothers.... entre milhões... que mais n são que arte-feita... Marketing, publicidade... MANIPULAÇÃO... (já discutimos isso) mas poucos são os artistas que realmente têm coragem para dizer o k pensam..... Medo?? Comodismo?? Perca de Tempo?? Não sei... mas sei k precisamos de mais Natálias Correias!!!!!!!!!!!!!!!!!!

John disse...

Acho que o povo está cada vez mais
sedado com o entertenimento, afogando lá as mágoas da crise, hoje em dia sinto que a imagem de propaganda publicitária está a dar lugar ao que outrora eram ideias consistentes e construtivas, e não só, está a surgir uma sociedade que apenas se preocupa com a parte de fora do ovo e esquece o realmente é importante, o seu interior, penso que os artistas que criticam continuam a existir tanto quanto antes, o problema é que talvez já não conseguem ser tão provocantes ou simplesmente não conseguem passar uma mensagem , os que se preocupam mais com isso por vezes perdem um bocado a credibilidade pela forma como o fazem, ou por serem como são se é que me entendes...

Hoje em dia faz falta pensar, as pessoas cada vez pensam menos e só fazem aquilo que lhes interessa para o seu próprio bem,não agem porque têm medo de ser criticadas e esquecem-se do que é viver em sociedade e nisto contribuir para que ela melhore...

Excelente post Vargas, em cheio!