The flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas.

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domingo, 19 de dezembro de 2010

Uma discoteca, o bom-senso e a ordem

Todos nós sabemos que o limite mínimo de entrada numa discoteca é uma farsa. Raramente alguém é impedido de entrar só por ter menos de 16 anos. O público agradece, porque pode ir à discoteca; a gerência ainda agradece mais porque, se assim não fosse, perderia bastante clientela. No meio disto, as autoridades fiscalizadoras fazem “vista grossa” e vamos todos compactuando para que esta situação vá sendo permitida. Porém, chega uma altura em que o motivo para haver limites às entradas nas discotecas prova a sua razão de existir.
Este fim-de-semana, numa discoteca de Caldas da Rainha, pudemos perceber por que é que a lei só permite a entrada a maiores de 16 anos e por que é que, neste caso específico, o estabelecimento tem uma lotação máxima para 400 pessoas. Nenhum destes preceitos foi respeitado e, na hora de pagar a conta, gerou-se a confusão. A discoteca tinha, inegavelmente, muito mais pessoas no seu interior do que a sua capacidade permitia e grande parte dessas eram menores.
Apesar da gravidade desta situação, as consequências poderiam ter sido contidas se a gerência do espaço tivesse tido o bom-senso de, vendo tamanha avalanche de gente confinada num pequeno cubículo (onde se procedia ao pagamento), abrisse as portas e permitisse a saída. Teria prejuízo, é certo, mas evitaria que a GNR e o INEM tivessem que acorrer ao local. Contudo, já sabemos que o bom-senso, por norma, não abunda, e foi mesmo necessária a intervenção destas duas forças.
O INEM foi chamado porque, além das previsíveis consequências da venda de álcool a menores, no meio da multidão começaram as crises de ansiedade e os desmaios. A GNR foi chamada para manter a ordem, mas tivesse ficado no quartel e o resultado seria o mesmo. No início, os militares, perante o absurdo e o perigo da situação, decidiram o óbvio: abrir as portas de emergência e deixar a multidão sair. O caricato da situação ocorreu quando um membro da segurança privada da discoteca “ordenou” ao militar da GNR que fechasse a porta, porque alguém tinha que cobrir a despesa da noite. E eu pergunto (como se perguntou a um militar na ocasião, obtendo como resposta um encolher de ombros), afinal quem é a autoridade? A GNR ou a segurança privada?
Detalhes à parte, a verdade é que quem esteve mal foi a GNR. Neste episódio específico da abertura de portas, a discoteca só pode ser acusada de falta de bom-senso porque, no fundo, apenas pretendiam cumprir o seu trabalho, ou seja, cobrar as entradas a quem ali passou a noite. Cabia à GNR mostrar quem mandava e resolver o problema com celeridade.
Para mim, a verdadeira culpa da discoteca não reside no efeito, mas na causa. Ou seja, nunca deveria ter organizado uma festa desta dimensão. Se não tinha espaço e condições para o evento (o que, por mais que a discoteca insista em negar, é verdade), não o organizava. E, pior que isso, foi a organização ter sido feita a pensar já à partida em infringir o limite mínimo de idade permitido por lei. Se é mais ou menos pacífico (ilegal, mas pacífico!) que numa noite “normal” se fechem os olhos a algumas crianças que entram na discoteca, como se pode permitir que se organize uma festa de fim de aulas cujos ingressos sejam vendidos em escolas secundárias e de terceiro ciclo? Obviamente que grande parte das vendas será feita a menores de 16 anos porque são esses que maioritariamente frequentam essas escolas.
É muito grave a forma como uma discoteca promove um evento dedicado a um público que, por lei, não pode frequentá-lo. Não estão isentos de culpa os pais destas crianças, que não as deviam ter deixado ir à discoteca. Mas o grande culpado é o promotor do evento (a discoteca e uma rádio), porque deliberadamente propiciou esta situação.
Poderíamos ainda falar da forma pouco clara como foram vendidos os ingressos, sem ninguém saber muito bem o que estava a comprar (se uma entrada, se uma bebida e uma entrada, se nada disso, ou se outra coisa qualquer). Mas isso é apenas a demonstração do chico-espertismo português, de tentar enganar os outros ao máximo. A mim, pessoalmente, enganaram-me. E enganaram-me não só (nem principalmente) na venda do ingresso mas, sobretudo naquilo que foi esta noite. Todos os que foram àquela discoteca foram cúmplices com a situação gravíssima que ali aconteceu, porque todos deram cobertura ao longo dos anos e margem de manobra para que a discoteca agisse sem controlo. Como cidadãos, devíamos pensar bem sobre isto (um reflexo do país real em que vivemos) e se é assim que algum dia chegaremos a algum lado. É inaceitável e inqualificável que uma discoteca tenha promovido ao longo de semanas um evento onde se sabia que iria haver excesso de lotação (porque foram emitidos mais ingressos que os lugares disponíveis) e onde se sabia que iam estar menores de idade (porque foi a eles, maioritariamente, que foram vendidas as entradas) e ninguém tenha feito nada para o impedir ou, pelo menos, controlar. À discoteca faltou, como sempre falta, bom-senso. Mas que dizer dos que a tudo assistiram complacentemente?
Caldas da Rainha, 19 de Dezembro de 2010

4 comentários:

Anónimo disse...

Gosto especialmente de o GNR ter encolhido os ombros. Se fosse no teatro levantava-me e batia palmas! A república das bananas no seu melhor


Sérgio Batista

Marques de Seia disse...

Caríssimo
Por leitura à sua critica, referiu varias vezes, que se infringe a "lei", deixando entrar menores de 16 anos neste espaço. No entanto eu pergunto-lhe se sabe qual é essa lei que proíbe a entrada de menores de 16 anos nas discotecas em Portugal??

De facto não conseguirá encontrar Lei que diga algo sobre essa matéria.

Apenas sobre isto, encontra um Decreto Regulamentar do Governo Autónomo dos Açores e que se aplica apenas por lá...

Pode por cá encontrar artigos de opinião (como o seu), pode encontrar fotos de placas e avisos postos ás portas destes estabelecimentos e similares, mas NÃO encontrará legislação aplicável.

Conclusão: se não há lei; não há infracção...

Impera sempre o bom senso e a cidadania. A proibição de entrada a menores pode apenas aplicar-se como "regra do estabelecimento" por salvaguarda do empresário que se tiver uma acção de fiscalização na sua casa e for encontrado "UM" menor a consumir alccol, paga entre 2.493,99€ a 29.927,87€ por cada UM e é por estas quantias astronómicas que se proibe a entrada a menores de 16 anos, mas apenas para se evitar que algum seja apanhado a beber pelas autoridades.

A venda de alccol a menores de 16 é que é proibida pela DL 9/2002 de 24 Janeiro... não a entrada de menores!!

Olhe... Tal como eu costumo dizer, nas discotecas, também se vendem sumos, colas, cafés, chás e aguas para eles...

Quanto à acção das forças de segurança.. cada vez mais do mesmo.. vergonhosa e nada sabem sobre isto..
Até porque, a partir do momento em que eles dão qualquer ordem, a mesma "ordem" sobrepõe-se sempre às dos agentes de segurança privada e estes devem-lhe obediência. Para todos os efeitos "a partir deste momento", também poderão ser chamados à responsabilidade por todos os problemas e prejuízos desde que os GNR ou PSP começam a dar ordens dentro da casas.

A si e a quem eu possa ajudar com os meus saberes fico disponivel para qualquer contacto.

Um abraço de um porteiro profissional e formador de seguranças de bares, discotecas e eventos...

Sou:
J.Marques
ztmarques@msn.com

João M. Vargas disse...

Meu caro amigo,

Desconhecia, de facto, que não existia nenhuma lei que definisse um limite mínimo de entrada numa discoteca. Sempre pensei (como penso que muita gente pensa) que esse limite seria uma imposição legal.
Ainda assim, parece-me que, como diz, quanto mais não seja pelo bom senso, deverá ser proibida a entrada a menores de 16 anos. Não apenas pelos proprietários das discotecas, mas pelos próprios pais destes menores. Penso que será mais ou menos consensual que uma discoteca não é o ambiente indicado para um jovem adolescente. Mas enfim, nos últimos tempos (e cada vez mais), a sociedade tem evoluído depressa de mais e isso reflecte-se no hábitos de socialização, nomeadamente nas saídas à noite.

Já agora, aproveito os seus conhecimentos dentro do tema, e pergunto-lhe: pode uma força de segurança (neste caso a GNR) decretar o fecho do estabelecimento se se verificarem faltas graves de segurança, ou necessita de algum mandato e/ou outra autoridade presente?

Cumprimentos,

João M. Vargas

Marques de Seia disse...

Boas Sr João

De facto é um dos grandes problemas com que nos deparamos na noite, e somos julgados erradamente por esse facto. A ideia geral, é de que nós não queremos saber se sao menores ou não, e que só queremos é clientes dentro das casas..
Eu tento, sempre que posso, explicar isto mesmo aos clientes das casas onde chefio a segurança. Tal como peço sempre aos meus porteiros para que sejam ponderados e tentem explicar aos menores que não podem beber alcool e se por nós forem apanhados serão imediatamente acompanhados à saída.. não resolve na totalidade.. mas alguns, pelo menos não querem ser postos na rua por nós!
Tentamos informar e intimidar (neste aspecto), mas a decisão de entrar é sempre deles.

Como percebe, o nosso trabalho não é fácil. A piorar esta situação há a falta de formação e profissionalismo neste ramo... isso sim, é culpa "nossa". A maioria dos porteiros nem sabe sequer a "lei da actividade da Segurança Privada", quanto mais interpretar e conjugar outras Leis da Republica.

Ainda somos associados a gorilas de cabeça rapada e botas da tropa que não dizem "pão" e estão sempre prontos a malhar em alguém..

Quanto à sua questão: é óbvio que "numa noite pontual" em que a GNR seja chamada a qualquer casa,a partir do momento que os agentes acharem que as condições de segurança não estão reunidas e que há ameaça clara à integridade de pessoas, pode imediatamente mandar sair toda a gente da casa, não sendo necessário dirigirem-se às caixas para pagar. Antes de tudo mais, preservar a segurança da pessoas.

Os agentes de segurança privada, devem a partir desse momento obediência à GNR e por profissionalismo, devem ser cooperantes na coordenação das operações. Só na base desta colaboração se passam sentimentos de confiança e transmitem confiança às pessoas que dessa vez são obrigados a sair (para seu bem) e para que os mesmos voltem a ser "nossos" clientes novamente!

Quanto ao encerrar definitivamente, só depois de levantado um auto e decretado por instâncias superiores.

Nas entre-linhas ainda fica a chamada de atenção de qual a força de segurança que tem acção de comando na região da discoteca, sendo que a GNR tem o âmbito geralmente de zonas rurais e a PSP em urbanos.. mas esta questão tem mais a ver com a fiscalização à Segurança..


Cumprimentos
Sou:
J.Marques
ztmarques@msn.com